Coach Tockers: o movimento que pode definir uma geração

Coach Tockers: o movimento que pode definir uma geração

Há dois anos, o Tockers e eu viemos falando que o Brasil está atrasado em relação à coaching staff, porque 99% dos times da China e da Coreia têm pelo menos um ex-jogador na coaching staff.

Com todo respeito aos ex-jogadores que viraram técnicos no LoL: eles até podem ser bons coaches, mas eles não foram bons jogadores. Acho que o Tockers é o primeiro movimento nesse sentido.

As orgs precisam enxergar isso, e a comunidade precisa enxergar isso também. O sucesso do Tockers pode definir uma geração.

— Revolta

Coach Tockers: o movimento que pode definir uma geração

Quando publiquei a apuração sobre o Tockers se tornar head-coach da RED, me surpreendi muito com os comentários céticos. A figura controversa do jogador Tockers foi imediatamente transportada para a análise inicial sobre como ele atuaria enquanto head-coach.

Por outro lado, eu nunca escondi que era fã da ideia do rebuild da RED e de isso ser seguido por uma figura tão emblemática e vencedora, apesar de socialmente controversa, enquanto técnico. Parecia a história perfeita e que precisava ser apurada. Afinal, o que garantia que a comunidade não estava certa? Ou que a RED tinha feito a aposta certa?

"Porre, honesto, difícil e inteligente"

"Dentre todos da INTZ Exódia, Tockers era o mais “asiático” na sua forma de abordar as coisas. [...] Mas diria que o que realmente me impressionou no Tockers foi o quanto ele estava disposto a estudar o jogo. Ele era muito bom em separar o sucesso ou fracasso de algo pela lógica por trás disso. Acho que essa é uma habilidade muito, muito importante para um treinador."

Peter DunPeter Dun

Pra mim, esse texto tem que começar nas raízes. Por isso, começo com a pergunta mais simples para a maioria dos entrevistados.

Quem foi o Tockers enquanto jogador?

"Fui completamente obcecado por League of Legends. Não fiz nada durante os cinco anos que joguei, não sei o que aconteceu no mundo. Pra ter noção, hoje o pessoal no Twitter sabe muito como sou Colorado e eu nem sequer sabia que o meu time foi rebaixado durante esses anos, porque realmente me alienei do mundo e joguei League of Legends. Fui completamente obcecado pelo jogo.

Acho que essa obsessão talvez até tenha feito coisas negativas, mas também acho que, em parte, o sucesso que tive foi dado a isso. Eu era uma pessoa muito difícil de lidar, tenho noção disso, não era fácil jogar comigo. E, quando olho para trás e vejo as coisas que fiz, acho que eu podia ter ido muito mais longe se tivesse maturidade. Isso é normal, ainda mais que a gente era a primeira geração.”

Rayssa, com expressão ansiosa na arena CBLoL
Tockers na INTZ (2016)/Foto: Reprodução/CBLOL Flickr

A história do Tockers sempre se confundiu com a do Revolta. Por isso, segue também a definição do capitão do Exódia:

“Com certeza ele foi o player mais difícil que eu já tive no time. Porque, geralmente, quando você tem um player que é ruim, você o kicka se ele não melhorar. Quando você tem um player que é indisciplinado, você o kicka se ele não se disciplinar. Só que, quando você tem um cara que é bom e problemático, fica difícil, porque você não tinha ninguém que nem o Tockers aqui no Brasil.”

Pode parecer uma afirmação forte falar que, em uma época de Kami, Takeshi e tinowns, não havia ninguém como Tockers no Brasil, mas logo o Revolta completou.

“Quando digo que a gente não tinha ninguém que nem o Tockers, não é só em questão de habilidade, é questão de inteligência. Um jogador pode ter um conhecimento de jogo muito grande, mas, se ele não é inteligente o suficiente pra adaptar isso às situações, ele nunca vai conseguir aplicar. Pouquíssimas pessoas foram capazes de entender e aprender o que a gente aprendeu e vivenciou.”

Rayssa, com expressão ansiosa na arena CBLoL
Revolta e Tockers (2016). Foto: Reprodução/CBLOL Flickr

Do lado “insuportável”, também não faltaram exemplos. Segundo o jungler, se o Tockers dormisse mal, não falava com ninguém no outro dia. Colocava o capuz, olhava reto para o PC e não respondia nem se comunicava durante o treino.

“Esse era o nível de porre que ele tinha. Só que você vai virar e falar: ‘Beleza, vamos kickar o Tockers’?”

Isso já aconteceu?

“Isso aconteceu. Já teve mais de uma vez essa conversa. Mas a mais icônica foi a do IWC no México. A gente tava numa semifinal contra a Hard Random. A gente estava 0x2 e, na nossa primeira derrota, o Tockers chegou na sala pra conversar de time, sentou na cadeira, virou pra todo mundo e falou: ‘É o seguinte, eu não quero mais jogar. Pode botar o Caique no meu lugar.’ Ele botou o fone de ouvido enquanto o Peter e o Alex discutiam com ele, e ele não respondia.”

No fim, ele foi lá e jogou. Tem até o fatídico TF dele. A gente fala: “Tockers, não é o bot. Tem cinco pessoas aqui.” Ele não fala nada. Ele pinga. Ele chega de carta vermelha, morre ele e o time inteiro, e a gente perde o jogo nisso.

“Depois disso, jogadores e técnicos, sem o Tockers, conversaram com o psicólogo. Falamos: ‘Galera, não tem como. A gente precisa ganhar. Não dá pra ganhar com o Tockers se ele não jogar.’ Tomamos a decisão de tirar o Tockers e colocar o Tinowns. Só que eu ainda não tinha aceitado muito bem essa ideia. Virei e falei: ’Pô, dado o campeonato, me parece a decisão lógica. Porém, eu ainda não gosto dessa ideia, porque acho o Tockers muito bom.’ Como te disse, não tem ninguém que nem ele no Brasil. Nem o Tinowns.”

Rayssa, com expressão ansiosa na arena CBLoL
(Dá esquerda para direita) Tockers, Claudio Godoi, Caique, Jockster, Revolta, Micão e Yang pela INTZ (2017). Foto: Reprodução/CBLOL Flickr

Ouvindo sobre o início do Tockers, parecia impossível um cara assim ser coach. Isso até me trouxe dúvida sobre a pauta, mas o próprio Revolta trouxe outra forma de ver essa problemática:

"Houve muita gente questionando o próprio Tockers sobre essas coisas do passado.

Mas, por você ter sido uma pessoa, digamos, caótica, você sabe o que precisa fazer pra não ser uma pessoa caótica, entende? Você já viveu aquilo. Então, se você é uma pessoa inteligente, e eu considero que o Tockers é uma pessoa inteligente, é mais fácil pra você se adaptar e entender o time. Não acho que ele faça nada parecido com como era como jogador."

Hoje, ler isso parece fácil, mas essa resposta veio no dia 6 de agosto, quando a RED havia jogado apenas duas séries. Pra mim, foi a evidência da maturidade.

Tockers na RED Canids (2025)/Foto: Reprodução/CBLOL Flickr
Tockers na RED Canids (2025)/Foto: Reprodução/CBLOL Flickr

Capítulo 1: o pós-aposentadoria de Tockers

Durante a produção da minha apuração sobre o Tockers, percebi a passagem dele pela Havan Liberty. Não é que eu não soubesse que existiu, mas parece que nunca foi tão abordada.

"Eu sempre falava: quando eu não gostar mais de treinar, é o momento que eu vou sair do LoL. Foi o que aconteceu. Não só não gostava, como fazia por obrigação."

TockersTockers

O ex-jogador contou que Samuel Walendowsky, na época CEO da Havan Liberty, ofereceu uma oportunidade para ele como mid-laner ou na comissão técnica, e isso deu segurança para o Tockers se aventurar, pela primeira vez, como treinador.

Mas, em suas próprias palavras, ele ainda não estava pronto. “Me faltava maturidade.” Foi aí que ele deixou a posição e foi streamar.

VALORANT, competição e o início da maturidade

"O VALORANT mudou muito ele, fez aprender que pessoas são diferentes."

LauLauLauLau

Enquanto criava um público muito engajado em sua live, Tockers amargava uma saudade do que foi um norte ao longo da sua vida: a competição. O próprio assumiu isso durante a entrevista, o que me lembrou umas aspas do Revolta, ditas meses antes: “Não somos viciados em League of Legends, somos viciados em vencer…”

A saudade da competição resultou na sua entrada no VALORANT, representando a Havan Liberty em campeonatos oficiais no Brasil. Essa mudança não foi uma decisão simples, principalmente do ponto de vista financeiro, mas ele teve todo o apoio da sua companheira, LauLau.

"Ele tava indo bem em stream, só que ele é maluco por competição. Aí ele teve essa oportunidade pro Vava, só que ia ter um corte salarial muito alto. Eu falei: "Se é o que tu quer, vai. A gente se adapta aqui, eu também tenho meu salário, eu me viro, tu se vira". Ele foi. Só que acho que a experiência que ele teve com lidar com jogadores novos mudou muito ele. O duhT parecia um filho nosso; a gente levava ele em casa até."

Para Tockers, faltou maturidade no LoL, mas outras experiências ajudaram ele nisso.

Tockers, IGL de VALORANT, comemorando com Pepa, Guiih, DuuhT e Zanatsu. (2023)/Foto: Reprodução/ValEsportsBR Flickr
Tockers, IGL de VALORANT, comemorando com Pepa, Guiih, DuuhT e Zanatsu. (2023)/Foto: Reprodução/ValEsportsBR Flickr

No VALORANT eu sabia que eu já era mais velho e não seria uma estrela, então fui sabendo que gostaria de ser um IGL, basicamente um coach dentro do jogo. E eu já tava disposto a fazer isso porque já era o que eu fazia no LoL. Jogando VALORANT, em termos de competição, mesmo não ganhando nada, foi a época mais feliz da minha vida. Sinceramente. Gosto muito de FPS, muito, muito mesmo.

Mas pelo jogo ou pela experiência?

"Cara, porque o FPS, ele parece uma competição de verdade. O LoL é um jogo monótono e, na verdade, a emoção só joga contra. Quanto mais emoção tiver envolvida no jogo, mais ela está te sabotando, enquanto no FPS pode ser um fator determinante. O LoL, em certos momentos, não parece uma competição de verdade."

Ouvir isso de um jogador que é tetracampeão e considerado um dos melhores mid-laners da história é bem ambíguo. É estranho, mas faz algum sentido. Na sequência, ele explicou o seu ponto de vista sobre toda a emoção do FPS:

"O VALORANT tem a adrenalina, emoção, os highlights e lowlights. Tudo isso muda de uma rodada pra outra. Tu pode pinar numa rodada e, na outra, fazer um 5K (matar todos do outro time). Nada te impede de ter esse comeback.

O jogo tem pausas; o clutch é verdadeiramente uma adrenalina: tu se sente como se estivesse numa situação tensa de verdade, teu coração começa a palpitar, tu vive a emoção muito mais no FPS do que normalmente no LoL.

Lá eu aprendi muitas coisas sobre ser líder, mas também como a comunicação impacta absurdamente: como você fala, o tom que tu usa, passar uma comunicação afobada ou com calma, tudo isso muda como o teu time joga. A comunicação é muito a alma de um time no FPS, mas no LoL ela é um pouco - mas não totalmente - mais irrelevante.

Eu acho que esse tempo no VALORANT foi muito, muito importante para mim vir como coach."

Pra além do VALORANT, temos um dos outros grandes diferenciais do pós-aposentadoria do Tockers: as lives. Pra quem não acompanhou de perto o Tockers no Vava, foi o “estopim” do amadurecimento do ex-jogador, como o próprio admite:

"Na época que larguei o VALORANT, cheguei a receber algumas propostas pra ser coach no VCT Américas, mas eu decidi voltar a streamar LoL. As lives me ajudaram muito a entender o torcedor, algo que o “eu” do passado cometeu o erro sobre isso e o eu de hoje sabe o outro lado. Talvez foi uma das mais valiosas das minhas experiências."


Capítulo 2: janela da mudança, o mercado da RED no 3º split de 2025

"Quando ele chegou como jogador, eu não achava que ele seria treinador, pois ele era realmente diferenciado dentro do Rift. Mas depois, conforme fomos tendo vivência juntos, sempre tive a certeza de que ele viraria técnico em algum momento."

CorradiniCorradini

Uma das histórias mais legais surgiu da entrevista com a Laulau, companheira de Tockers, que trouxe a sua visão tão próxima sobre a possibilidade de retorno do ex-Exódia:

"Todo split ele tinha proposta, mas ele sempre pesava bastante a seguinte questão: a gente queria juntar uma grana pra gente comprar o nosso apartamento, e coach não paga igual stream. Claro que ele não era um Nobru da vida que pega 30 mil pessoas na live, mas ele tava muito bem.

Calhou na época de eu ser promovida dentro da minha empresa, comecei a subir bastante no trampo e ele começou a ter mais segurança por mim. Ainda por consequência, ele já estava cansando do dia a dia da live, gostava muito do público, de reagir, mas era visível o cansaço dele na repetição.

Ele falava pra mim que sabia que uma hora ou outra ele ia voltar."

Ele falava isso?

"Falava que quando ele cansasse, ele ia voltar. Aí sempre que a RED perdia, o Corradini já vinha mandando mensagem pra ele. O Corradini e ele sempre se deram muito bem, né? Eu sabia que seria pra RED. Desde que ele me conheceu, falava: 'Cara, você tem a carinha de torcedora da RED, você tá na org errada.' Eu falei: 'Por quê?' Ele: 'Porque a RED é muito mais família do que você pensa.'"

LauLau e Tockers/Foto: Reprodução/Acervo Pessoal
LauLau e Tockers/Foto: Reprodução/Acervo Pessoal

Contei da frase para o Tockers e perguntei por que a RED era tão especial.

"Na verdade são duas coisas. Quando eu tava na RED, em 2017, foi quando passei por um quadro clínico de depressão, né? Eu tava bem mal na época. E todo mundo — principalmente o Corradini — não poupou esforços pra me ajudar. Na época ele me levava nas consultas, pagava as consultas, o remédio; fez questão de não deixar nada disso me atrapalhar. Ele fez de tudo pra me ajudar. A psicóloga também fez de tudo pra me ajudar. Então eu sempre mantive um carinho por eles; eles não pouparam esforços pros problemas que tive.

A outra razão é: depois que saí da RED, eu ainda continuei em contato com eles. Foi um dos únicos times que, depois que saí, eu ainda conversava. Às vezes eu ainda ia no office, às vezes trocava uma ideia com o pessoal da organização."

Dessa forma, era quase certo por parte do Tockers que, em um futuro próximo, ele voltaria a trabalhar com a RED. Porém, conversando com Wen, diretor de operações da matilha, descobri que teve ainda teve uma recomendação do próprio Peter Dun.

"O interesse de trazer o Tockers talvez já existia por ele ser ídolo, não sei, mas de fato isso só virou tangível depois que o Peter Dun pontuou bastante sobre as metodologias e sobre como o Tockers poderia atingir individualmente ou o macro da RED e até mesmo o lado organizacional."

A visão e recomendação do Peter Dun

"A maior dificuldade para técnicos que foram pro e entendiam muito do jogo é a dificuldade de entender que as pessoas não veem o jogo da mesma maneira e velocidade que você. Pra mim, o Tockers teve o melhor senso de jogo da história da região, então o caso dele era ainda mais difícil.

Ele viveu algo próximo de ser coach na RED 2017, mas ainda era pro. Sendo assim, ele ainda podia impactar as pessoas na partida. Quando você é coach não dá e isso é muito mais frustrante; você tem que ser uma 'mamãe pata' e deixar seus patinhos livres. Acho que isso foi algo difícil pra ele como coach na Havan."

O ex-técnico do Exódia também cita como a atuação no VALORANT e na criação de conteúdo amadureceram Tockers, mas também serviram para desenvolver mais ainda a habilidade de explicar, de se fazer claro.

"Eu apontei essa questão de: se esse é o projeto que vocês (RED) querem, ele é um coach que vai ser muito bem adequado para isso. Mesmo tendo tido um projeto similar em 2020, ele não é o mesmo coach que era em 2020."

Peter Dun e Tockers na INTZ (2016)/Foto: Reprodução/CBLOL Flickr
Peter Dun e Tockers na INTZ (2016)/Foto: Reprodução/CBLOL Flickr

"Quantos técnicos você conhece que diriam: “Me dá o Rabelo”? Você sendo o cara e enxergando potencial em um jogador novato e seu primeiro pensamento é: ‘Eu preciso colocar esse cara no meu time’ é algo que exige muita coragem. Tockers valoriza o talento bruto acima do talento atual. Esse elenco da RED Canids diz muito sobre ele."

Peter DunPeter Dun

Expectativa baixa e novo projeto - os primeiros passos

Tockers afirmou que, para os primeiros dias do projeto, não foram criadas expectativas de título dentro da organização. A intenção da Matilha era criar um projeto de desenvolvimento, quem se destacasse, manteria sua vaga.

"A RED foi muito pé no chão e falou: ‘esse split é para ver quem pode ficar ou não, uma peneira. Todos sabiam disso."

Apesar de uma peneira, os jogadores tinham “missões a cumprir” bem diferentes para fazer suas chances valerem a pena.

"FNB e o Frosty eram jogadores que eu pensava ser impossível não renderem mais, não existiam motivos para não tê-los no time.

A gente sabia que o Rabelo estava pronto, mas a pergunta sempre ficava: para competir com o Tier S, será que ele tem o que é necessário? O Doom é o mesmo; a primeira conversa que tive com ele foi: 'Ó, eu acho que o seu estilo de jogo não vai funcionar no Tier 1, precisamos mudar.' "

O coach também citou que um time que foi fundamental para essa primeira lição para o Doom, e para a RED como um todo, foi a FURIA.

Tockers na RED Canids (2025)/Foto: Reprodução/CBLOL Flickr
Tockers na RED Canids (2025)/Foto: Reprodução/CBLOL Flickr

"A primeira coisa que preguei no time foi dizer: a gente tem que ser humilde e aprender com os outros times. A FURIA tinha recém voltado do MSI e, quando treinamos com eles, fomos destruídos.

Isso era tudo o que precisava, porque eu finalmente pude dizer: “Estão vendo? Os caras estão jogando contra os melhores times do mundo e olha como eles não estão flipando nada.” Foi quando eles tiveram o primeiro baque: “Pera… talvez esse streamer esteja falando uma coisa que faz sentido.”

Lembro que essa foi a primeira experiência deles de jogar contra um time que sabia esconder o jungler. Foi a primeira experiência que eles tiveram de um jungle jogando como o jogo deve ser jogado.

Isso foi muito importante porque a gente evoluiu num aspecto fundamental do jogo, que é extremamente básico, mas muitos times do Brasil ainda não tinham e alguns ainda não têm."

O karma do Tockers

Uma das pessoas que entrevistei falou assim: “ o karma do Tockers é trabalhar com o Kaze”. Por quê? Me explica essa frase.

"Eu sei quem foi (respondeu rindo). O Kaze é um jogador difícil, não vou mentir. Ele tem manias, crenças fortes e luta muito por elas. No começo foi complicado, o Beellzy trabalhou bastante com ele no individual e eu no coletivo.

Conforme os resultados apareceram, ele foi ficando mais aberto a mudar, melhorou como jogador e como pessoa, e isso ajudou o time a jogar em volta dele. Ser coach dele exige personalidade, jogador bom é isso e eu não espero menos, precisa acreditar em si mesmo.

Tô, sim, pagando meus pecados, mas ele é um moleque muito tranquilo e de personalidade dentro do jogo."

Kaze na RED Canids (2025)/Foto: Reprodução/CBLOL Flickr
Kaze na RED Canids (2025)/Foto: Reprodução/CBLOL Flickr

Capítulo 3: O split começa

"Pra mim, o Tockers conseguiu ter uma leitura muito boa dos players que ele tem, abriu mão de coisas importantes para ele e isso mostra o quanto ele evoluiu como pessoa. Acho que ele era um cara muito cabeça dura, e agora vejo que ele aprendeu a abraçar a maneira coadjuvante que ele pode ser às vezes."

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As primeiras semanas de treino não foram fáceis para a RED, que teve problemas de adaptação até contra equipes do Tier 2. Tockers afirmou que os resultados variavam e, muitas vezes, colocavam em xeque a confiança no que estavam construindo.

"As semanas alternavam entre muito ruins e muito boas. Às vezes, numa semana muito boa a gente tava com hábitos ruins que a gente precisava cortar. Depois vinha uma semana muito ruim, nessa dava pra mostrar as coisas que estávamos fazendo errado, mas também vinha uma desconfiança do processo.

Quando voltava a semana boa, eu tinha que ressaltar nossas qualidades, mas às vezes os hábitos ruins estavam ganhando o jogo. Aí era preciso provar pra eles que esses vícios iriam nos trair lá na frente. Então é um processo muito difícil"

Mas, treino é treino e jogo é jogo. A RED terminou a etapa regular do 3° split da LTA invicta e nas palavras do Tockers, vencer com o que era praticado foi o estopim para construir confiança.

Capítulo 4: Os playoffs. 1º episódio - paiN Gaming e o Patch 25.16

FNB e Tockers na RED Canids (2025)/Foto: Reprodução/CBLOL Flickr
FNB e Tockers na RED Canids (2025)/Foto: Reprodução/CBLOL Flickr

"Aquela semana foi muito... traiçoeira. Depois da vitória da paiN, escolhemos eles de novo. Eu falei que a gente não tinha ganhado da VKS ainda em treino e era verdade. No início desta semana, a gente teve um treino contra Keyd e vencemos. Cara, a nossa confiança foi lá pra cima. Ganhamos todas as scrims da semana e se a gente perdeu três jogos na semana, acho que foi muito.

Só que qual foi o problema? Naquela semana teve um patch (25.16) que mudou bastante coisa, só que a gente não sabia o impacto disso. Testamos todas as mudanças: Kalista AP, Jungle AP, tudo. A gente testou champions — se eu te falar, bizarros — em muitas roles, e a gente ganhava contra o meta.

Inclusive, teve os fatídicos drafts contra a paiN naquela semana. Sinto que muito disso foi porque, durante a semana, tudo que a gente fez deu certo. A confiança tava tão alta, todo mundo jogando tão bem individualmente, que a gente teve uma leitura muito errada do patch. Esse foi o maior erro dessa semana: eu devia ter pontuado onde a gente estava simplesmente sendo melhor."

Capítulo 4: Os Playoffs. 2º episódio - A semana difícil e a LEVIATAN

"A ideia após a série da paiN era não perder a confiança, mas também aprender com os erros, certo? Tava tudo bem perder pro time que tá aí não sei quanto tempo junto. Eles têm muito mais experiência que a gente em playoff, não tinha por que se abalar com isso.

Porém, a semana pré-LEVIATAN não foi muito boa. Por consequência, começamos a ter alguns questionamentos sobre como jogar o jogo, e tanto que a gente teve uma série contra a LEVIATAN que foi bem ruim, sinceramente. Não foi boa, mas teve muito aprendizado também."

Capítulo 4: Os Playoffs. 3º episódio - LLL: Louça, LOUD e Leitura

"Teve um dia que eu nunca me esqueço. Tinha falado com o Gabriel: ‘Fiz a janta, você lava a louça?’ Quando acordei de manhã, a louça tava lá. Já virei um bicho, eu odeio louça. Virei e falei: ‘Gabriel, por que você não lavou a louça?’ Aí ele: ‘Te prometo que vai valer a pena, porque eu dissequei a LOUD, eu vou ganhar.’"

LauLauLauLau

Atrás de todo pro-player e/ou head-coach, existe uma vida normal. Na residência Tockers funciona da seguinte maneira: um faz comida e outro lava a louça e, pro azar da LOUD, a louça não foi lavada.

Tockers na RED Canids (2025)/Foto: Reprodução/CBLOL Flickr
Tockers na RED Canids (2025)/Foto: Reprodução/CBLOL Flickr

"A LOUD tinha muita dificuldade contra a gente em treino. Na semana passada, um jogo antes da LEV, a gente perdeu a primeira scrim do ano pra eles.

Logo depois de vencerem a gente, eles deram 3x0 na FURIA. Eu lembro de todo mundo falar que eles já tinham passado; era sobre LOUD e paiN… aquilo tava me consumindo muito.

Ainda nessa semana a gente estava perdendo muito treino, era derrota atrás da outra. Vendo as derrotas de treino em sequência, pensei comigo: ‘talvez a gente não esteja tão bem, eu preciso ter uma boa leitura pra próxima série.’

Foi assim que comecei a consumir a LOUD 24 horas por dia: os replays dos treinos passados, as séries, os drafts, tudo deles. Realmente acho que o Raise fez coisas ótimas, eu até copiei algumas pro meu time; não tenho esse problema: se acho bom, eu copio.

Percebi que eles tinham um sistema que era muito bom, me impressionou, mas era extremamente replicável e dava pra saber exatamente onde eles iam estar o tempo todo.

Aí eu mostrei pro time: ‘Guys, é isso aqui que a LOUD faz: eles vão estar aqui nesse timing de jogo; esses vão ser os drafts deles. Nessa situação, eles vão pegar isso.’ Sinceramente, eu fiquei muito feliz com a preparação que consegui fazer, porque eu tenho a impressão de que li literalmente o que eles iam fazer o tempo todo."

Foi a sua melhor preparação enquanto coach?

"Foi. De longe, de longe.

Depois disso, o pessoal também ficou muito confiante. Chegou dentro do jogo, aconteceu tudo dentro do planejado e, mesmo tendo conhecimento, perdemos o primeiro jogo. No jogo 2, a gente falou que eles iam comprar todas as lutas — era inevitável. Voltamos, ganhamos e criamos cada vez mais confiança.

Eles vencem o terceiro, mas tínhamos em mente que, se eles não ganhassem de 3-0, a gente ia ganhar, porque a nossa pool era infinitamente maior. Dito e feito: nos últimos jogos, a gente conseguiu drafts muito melhores. Mas, querendo ou não, eu estava verdadeiramente muito motivado, porque parecia que a LOUD estava no Cross-Conference."

E na época, ele fez questão de ressaltar isso na coletiva dizendo: “Me senti um pouco desrespeitado”.

Capítulo 4: Os Playoffs. 4º episódio - A revanche contra a paiN e a estratégia do “pouco-preparo”

"Por sorte, a gente tinha jogado contra a paiN duas vezes, então o scout estava pronto; bastou o Strazzi (analista) repassar algumas coisas simples. Ou seja, o plano foi mais a gente conseguir um bom draft mesmo.

A gente ia pra Riot, dava quase uma hora e meia de trajeto; a gente ganhou a série de cinco jogos contra a LOUD, voltamos, lá se vai mais uma hora e meia e jantamos. Lá pras 21h fomos conversar de draft; uma hora depois todo mundo já estava com a atenção muito baixa e cada sugestão de ban ou pick vinha com alguma complicação.

Foi nessa que virei e falei: “Guys, a gente não consegue prever o que eles vão fazer. Vamos dar pra eles o que eles querem e aí saberemos exatamente como o draft vai ser?” Todos toparam. Assim, deixamos o Varus porque a gente sabia que eles iam querer dar First Pick."

Doom na RED Canids (2025)/Foto: Reprodução/CBLOL Flickr
Doom na RED Canids (2025)/Foto: Reprodução/CBLOL Flickr

"A gente deu o que eles queriam pra diminuir as possibilidades e acho que isso foi chave pra gente não perder muito tempo com preparação e focar em descansar pro próximo dia."

Capítulo 4: Os Playoffs. Episódio final - O biológico confronto

Tockers na RED Canids (2025)/Foto: Reprodução/LTA North Flickr
Tockers na RED Canids (2025)/Foto: Reprodução/LTA North Flickr

"A Keyd é um time que, sem uma preparação adequada, a gente não ia conseguir ganhar deles. Independente de toda a história do cansaço ou de qualquer coisa, a gente precisava de bons drafts, boas ideias e picks.

Obviamente, eles também não esperavam a gente na final, mas a gente não conseguiu pensar em soluções para o Jarvan do Disamis, a Akali do Mireu e outros picks. A gente meio que só aceitou. Além do cansaço, juntou com o fato de ser muito difícil a gente ganhar da Keyd. Mesmo se a gente tivesse 100% descansado, ainda seria um jogo muito difícil.

O que a gente queria naquele dia era mostrar jogos na loucura total, que não desse pra respirar. Normalmente, nossos jogos contra a Keyd eram muito estratégicos. Quando os dois times jogavam no máximo deles, eram jogos muito no detalhe. Os dois times gostam bastante de macro.

Acabou que não conseguimos acompanhar eles. Até acho que a gente teve bons drafts, mas não eram drafts bons pra ganhar da Keyd. Aí a gente acabou tentando repetir a estratégia dos dias anteriores. Foi terrível. A gente não teve uma boa preparação, perdeu pra eles e teve ainda todo o resto."

Bom, sobre “todo o resto”. Curiosamente, era eu o jornalista que conduziu a entrevista do “biologicamente impossível”. Nela, ao falar da derrota para a Keyd, Tockers disse a seguinte frase: “Pra mim, eu não tenho como ficar triste em ter perdido, porque nesse caso a própria biologia está contra a gente“.

A comunidade caiu em cima da declaração do treinador com frases como: “Não quer jogar dois dias seguidos? Vence a chave superior”. A repercussão foi desde os fãs até jogadores e ex-jogadores profissionais.

Aproveitei a oportunidade pra perguntar se ele se arrependia da fala. Foi honesto até demais?

"A gente estava feliz por chegar à final e garantir o cross-conference, mas sempre quer mais. Acho que eu não lidei da melhor forma não. E se me arrependo? Não sei. Arrependimento é uma palavra forte. Poderia ter elaborado melhor, mas ali eu perdi a noção de como as coisas tomam proporções maiores.

Depois da derrota, eu não estava raciocinando direito. Vi os moleques chorando, se sentindo incapazes, e achei que eles mereciam mais. Nem coloquei a culpa nos moleques, porque eu não vivi (na carreira) o que eles viveram naquela semana.”

Naquele momento, senti que tinha duas opções: ficar em silêncio ou puxar a responsabilidade pra mim e virar a desculpa. Tentei a segunda opção, mesmo sabendo que não fiz da melhor forma. Eu estava frustrado e meu cérebro já não funcionava direito.”


Último capítulo: Movimento que pode mudar o cenário.

"A rotina de um treinador não é muito diferente da de um jogador. Você tem que se dedicar de corpo e alma pra aquilo.Talvez pra galera que já está em outra parte da vida, a primeira geração de pros, acho que é difícil. Se o Tockers conseguir fazer isso dar certo - e está dando certo -, acho que é um começo de um ciclo, sim."

TakeshiTakeshi

Você acha que esse seu movimento pode começar um ciclo de outros jogadores icônicos no cenário, voltando para o cenário como coach?

"Acho bem difícil, pra falar a verdade, não apostaria nisso. Acho que a maioria dos jogadores que têm essa capacidade já está muito bem fazendo outras coisas. Seria muito bom pro cenário, sem dúvidas, o valor que muitos desses jogadores podem agregar é surreal, mas eu não vejo isso acontecendo."

O head coach da Matilha completou elogiando o trabalho dos treinadores SeeEl, Thinkcard, Xero e Raise (que já havia elogiado anteriormente). Para ele, manter esses nomes no CBLOL é fundamental para a evolução do cenário:

"Acho que, se a gente mantiver todas essas pessoas, sem dúvidas o nível do CBLOL vai continuar aumentando. Não foi ao acaso a gente ter disputado com o NA. Se pegar do Split 1 pro Split 3, três dessas pessoas não estavam, né?"

A comunidade cética não poderia prever o sucesso de um Tockers mais maduro. Ainda caótica, é verdade, seja na biologia, ou em como draftar/escolher jogadores. Unindo competição, caos moderado e muito conhecimento, a nova RED termina top-2 na sua estreia e vence a primeira MD5 internacional desde 2016 - desde a INTZ do Tockers.

Essa matéria surge da aposta na história do Tockers, logo pela 2ª semana do split. Essa mesma matéria termina na esperança de alcançar e inspirar orgs, ótimos ex-pro players e a comunidade para apoiar e realizar o mesmo movimento. Em entrevistas, lives e por novas histórias, aguardo por vocês no CBLOL 2026.


Sérgio 'Correslol' Fiorini
Sérgio "Correslol" Fiorini

Jornalista nos Esports desde 2022. Tropa da Edificação. Jornalismo que incomoda.