O que realmente importa
Pressionado pela comunidade e em meio a dificuldades pessoais, Sacy fala com exclusividade ao Mais Esports para contar a sua história como nunca antes contou.
Por Bruno "LeonButcher" PereiraCapítulo I
Quando Sacy entrou na chamada e abriu a câmera, o sorriso característico de uma das cabeças mais brilhantes (figurativamente e literalmente) me fez abrir o sorriso também. É sempre um prazer conversar com pessoas que você conhece há tanto tempo, e no caso de Sacy isso inclusive me fez lembrar da alegria de reencontrá-lo após sua entrada na LOUD, em janeiro de 2022, a última vez que nos encontramos presencialmente.
Quase um ano e meio depois, converso com Sacy no final de uma semana complicada para ele, com a comunidade dividida entre um conteúdo publicado pela ex-organização do jogador e o debate de pressão interna das equipes que jogam em alto nível.
- Acho que tem mais coisa do que só esse debate que está acontecendo, mano, mas eventualmente vou tocar nesse assunto - digo para Sacy
Para entender o estopim dessa história, precisamos voltar um pouco no tempo para entender quem é o Sacy, principalmente para a comunidade do VALORANT que não o acompanhou na época do League of Legends.
Habilidoso, mas cru de tudo, Sacy surgiu no cenário de LoL como Atirador de fato em 2015. Um pouco na Big Gods mas, principalmente, na INTZ Red, a equipe-irmã da INTZ. Como eram da mesma organização-mãe, os elencos dividiam o espaço da Gaming House na época em que o famoso “Exódia” começava a nascer. O time formado por Yang, Revolta, tockers, micaO e Jockster dominou o cenário de LoL entre 2015 e 2016 e venceu três CBLOL sem perder sequer uma série no Brasil, e até hoje é considerado um dos melhores times da história do país na modalidade.
Revolta era o grande capitão e articulador daquela equipe que se transformou num bicho-papão no cenário, e encontrou não só quatro jogadores habilidosos como também extremamente dedicados para construir o que viria a ser uma dinastia no LoL brasileiro. Mas claro que o caminho não seria fácil.
“Nós da INTZ Red éramos quase todos novatos, e acompanhar de perto essa criação do Exódia é algo que não dá pra explicar. Eles quebravam o pau entre eles até na hora do almoço, quando todos da organização almoçavam juntos. Eles subiam e falavam de jogo enquanto todos comiam, debatendo composições, draft e tudo mais, e às vezes o pau quebrava entre eles no meio de todo mundo ali mesmo, e eu ficava pensando ‘ué, mas meu time não fala de jogo na hora do almoço’.”
“Nos intervalos da INTZ Red ou depois dos nossos treinos, eu gostava de entrar na sala deles e ver como eles se comportavam durante o dia, mas aí você reparava rapidinho que as coisas iam sair do controle e o pau ia quebrar, e saía da sala para não gerar desconforto, porque o que eles faziam era para o time deles, não para os outros, então eles se fechavam e resolviam entre si. Vendo aquilo eu entendi que aquilo tudo era vontade de ganhar. Eles não pensavam só no Brasil, queriam ir para fora de qualquer jeito e se provar, rolava muito essa mentalidade, era o grande diferencial deles: querer.”
Claro que a experiência de compartilhar uma Gaming House com uma equipe como a INTZ do Exódia deu uma referência extremamente vitoriosa para Sacy no começo de sua carreira, mas só ver e assistir não muda muita coisa a não ser que você tenha a oportunidade de fazer isso acontecer. Todo mundo quer vencer, todo mundo quer se transformar na melhor versão de si, mas a grande verdade é que poucas vezes a oportunidade realmente aparece, e em muitos casos o jogador também não consegue abraçar esta oportunidade mesmo vivendo ela.
Quando a INTZ Red virou Red Canids em 2016, Sacy sabia que não tinha um time que seria campeão, mas tinha a impressão que estava a um passo de finalmente ter a oportunidade que todos buscam, e por isso precisava se doar ao máximo. Ele buscava ter reconhecimento o suficiente para que outros jogadores e técnicos comprassem uma ideia e falassem “posso investir nesse cara para ser campeão”. E isso aconteceu em 2017.
“Sempre vi o Sacy além do jogador, vi que ele tinha estrela. Mas acredito que acima de tudo nós criamos um senso de confiança juntos, realmente como se fosse um porto seguro, e eu tinha a certeza de que se algo desse errado ele sempre seria honesto e me falaria onde estava errando. Ao mesmo tempo, eu faria o possível para ele atingir o potencial que sempre vi nele. Ambos éramos muito novos, então nos ajudamos muito naquele começo”, diz Felipe Corradini, CEO da Red Canids.
Do elenco de 2016, apenas Sacy ficou para 2017, quando a RED Canids contratou Robo, Nappon, tockers, YoDa, brTT e Dioud, além do técnico holandês Gevous. Era um elenco recheado de estrelas e jogadores experientes… e Sacy. Até Robo, companheiro de Sacy em 2015 na INTZ Red, havia voltado de um 2016 na Keyd Stars em que jogou com takeshi, um dos maiores nomes do cenário na época, havia sido vice-campeão do CBLOL e retornou um jogador completamente diferente.
“O Robo era outra pessoa, de cobrança, de jogar, analisar. Era um cara muito confiante. Ele teve a oportunidade que todos procuram antes de mim, e chegou moldado na RED. A vontade de ganhar era muito evidente, e querer ganhar é atitude. Todos querem vencer, mas às vezes as pessoas não fazem o que é preciso ou sabem o melhor caminho.”
“O querer ganhar é atitude. Quando você quer ganhar você não precisa falar, você precisa fazer” - Sacy
Sacy na época era o reserva da posição de ADC em que o titular era simplesmente brTT, o jogador mais consagrado da história do League of Legends brasileiro. No meio, tockers que havia acabado de ser tricampeão do CBLOL e recém-voltado do Mundial. Dioud, Robo e Nappon já haviam disputado finais ou passado por situações extremas na carreira, todos experientes e jogando por algo. Um elenco recheado de estrelas renegadas, e daí que vem o apelido daquela equipe: Os Renegados.
“No começo eu observei muito como treinavam, a rotina, como se comportavam quando as coisas davam errado, como o tockers fazia VOD review, como o brTT treinava e estudava as match-ups do bot. Eu só absorvia. Cada um tinha uma maneira de reagir e não tinha melhor ou pior, o que havia em comum era a pressão que todos tinham de se provar novamente para o cenário, e isso gerava muita tensão.”
“No começo foi um choque, os debates comiam e eu não tinha muita fala, tudo o que aconteceu de bom e ruim levei comigo de aprendizado, tentei construir da minha maneira. Posso ter o mesmo objetivo e a mesma intensidade que eles tinham, mas a maneira de lidar com tudo precisava ser diferente. No entanto, a única coisa que importava era que, no final do dia, todos tinham a certeza de que queriam ser campeões, independente do que custasse, e o próximo passo era como evoluir isso.”
Após a RED Canids dos Renegados eliminar a paiN Gaming por 3-1 nas semifinais da Primeira Etapa, Sacy, o Atirador reserva da equipe, caiu em lágrimas nos estúdios do CBLOL, abraçado por brTT. A cena sempre foi muito marcante para mim, já que não entendia totalmente a reação espontânea de um jogador que não havia disputado sequer uma partida naquele campeonato até então.
“A verdade é que todos ali estavam abrindo mão de muita coisa para poder vencer. BrTT havia saído como reserva da paiN e tentava se reerguer, tockers queria provar que não dependia do Exódia, Nappon havia sido kickado da Keyd, Dioud falavam que não estava mais à altura do que era daquela paiN 2015, Robo era só uma promessa, YoDa só servia como criador de conteúdo.”
“Como reserva, eu treinava em poucos blocos na semana, mas nunca deixei eles sozinhos, estudava muito o meta, enchia o saco do brTT e do tockers, principalmente. Mesmo sem jogar eu me sentia muito inserido. Falava muito, seja trazendo a resposta pelo meu estudo ou só fazendo as perguntas certas e ver eles debatendo. Vencer aquela série tirou um peso imenso das costas de todo mundo, até das minhas.”
Na final contra a Keyd Stars, em Recife, a RED Canids abriu 1-0 na grande final, com grande atuação de toda a equipe, incluindo brTT.
“Ele é surreal, exalava confiança, e eu sempre quis entender como ele fazia para se sentir assim, e sempre foi como ele se preparava. Parecia que estava pronto para tudo. Sempre foi preparo, como administrava seu tempo, sabia o que precisava treinar, com o que precisava se preocupar e o que não era problema dele, conhecia os atalhos, sabia como ser campeão.”
Acompanhei a RED Canids nos bastidores daquele CBLOL, quando trabalhava na Riot Games, e lembro-me de estar a passos da equipe quando Gevous, o técnico, virou para Sacy e disse: “você vai jogar o segundo jogo”. Não era surpresa, mas ser verdade fez o chão - e o jogador - tremer.
“No dia anterior, estava em Jundiaí e cheguei mais tarde na GH. O Gevous me puxou e disse que eu iria jogar a final, o que seria a minha primeira partida no campeonato. Pela estratégia que montou, julgou que eu conseguiria absorver pressão melhor que o brTT no plano que ele havia pensado.”
“Quando entrei no palco e os narradores confirmaram a substituição, a torcida não entendeu e passou a pressionar. Quando sentei na cadeira, brTT veio atrás de mim, colocou as mãos nos meus ombros e falou “você vai arrebentar”, e me deu um discurso. O cara que eu estava substituindo me deu moral, e não era qualquer um, era o brTT. Como jogador, ele pode ter ficado ressentido porque todos sempre querem jogar, mas ele sabe que não era algo meu ou dele, era o time e o objetivo de ser campeão.”