Quando o esporte eletrônico começou a se difundir ao redor do planeta, ninguém imaginava a quantidade de investimentos não-endêmicos que seriam feitos. As premiações da época pagavam pouco, as plataformas de streaming ainda eram rudimentares e os torneios “eram realizados em porões”. O próprio ato de ser um jogador profissional trazia a visão de desajustamento, acompanhava comentários de “nerd” ou “viciado”.
Para quem fez parte desse tempo, então, foi incrível quando grandes times dos esportes tradicionais investiram em equipes de e-Sports. Na época, houveram instituições que apenas injetaram dinheiro, sem emprestar o nome. Também tiveram aqueles que só formaram parcerias com organizações já estabelecidas no cenário. E, de forma mais empolgante, existiram clubes que se utilizaram de toda a própria estrutura pra criar uma ala de e-Sports.
O mais novo a fazer isso foi o Clube de Regatas do Flamengo. Embora não tenha ocorrido ainda um anúncio oficial — e com isso uma explicação detalhada sobre as ambições da organização — , já foi revelado que os rubro-negros formarão uma line-up de League of Legends. “É LoL, é time próprio, é estrutura própria, é Flamengo.”, falou Daniel Orlean, vice-presidente de marketing do Flamengo, para o SporTV.
O Flamengo é o clube mais conhecido no Brasil. Oras, tem boa reputação até lá fora. Então, o fato de estarem entrando no mundo de esportes eletrônicos é muito grande para o futuro da modalidade no país. Pode servir de tendência para muitos outros clubes que querem investir no esport de verdade. Mas, para isso, é preciso que tenham um plano acertado e muito bem gerenciado. Porque, caso contrário, não vai dar certo.
Olhe para a Europa. Tanto a Europe League Championship Series quanto a Europe Challenger Series já receberam times de futebol na forma de Schalke 04 e Paris Saint German. Em ambos os casos, a experiência foi de mal a pior e continua dando errado. Por mais que a intenção seja boa, até agora o investimento dos dois times não valeu.
O Schalke, clube histórico da Alemanha e vencedor de sete campeonatos nacionais, anunciou em maio de 2016 a compra da Elements — outrora conhecida como Alliance. Optaram por adquirir um roster já feito, em vez de montar do zero e arriscar não ter sinergia. É um pensamento nobre, mas nesse caso perigoso considerando que a Elements já havia perdido seu principal jogador em Henrik “Froggen” Hansen e não figurava em playoffs havia um tempo.
De qualquer forma, foram para o Summer Split com Etienne “Steve” Michels, Erberk “Gillius” Demir, Hampus “Fox” Myhre, Rasmus “MrRallez” Skinneholm e Hampus “sprattel” Abrahamsson. A campanha foi inicialmente boa, mas com o decorrer das semanas o desempenho piorou e, por fim, acabaram rebaixados. A expectativa, então, era de que o Schalke se retirasse do cenário, mas cumpriram a promessa e montaram outra line-up, dessa vez pra segunda divisão: Lennart “Smittyj” Warkus, Jean-Victor “loulex” Burgevin, Marcin “SELFIE” Wolski, Elias “Upset” Lipp e Oskar “Vander” Bogdan. Eram nomes com mais poder de fogo e, similarmente à etapa anterior, começaram bem. Tão bem que chegaram nos playoffs invictos. No momento decisivo, contudo, colapsaram e não conseguiram acesso à LCS.
Esse declínio mostra uma falta de preparo — seja da comissão técnica ou dos psicólogos — ao longo do split, que ironicamente não deveria acontecer num time de futebol. É algo que o Flamengo precisa evitar se quiser obter sucesso nessa nova jornada. Num cenário novo como o de e-Sports, muitos jogadores são inexperientes e podem desmoronar sob pressão ou ficar complacentes com o sucesso. Por isso, contratar uma staff qualificada será de muito importância.
O PSG, por sua vez, comprou uma vaga na EUCS e montou um time do princípio, tudo sob o comando do lendário Bora “YellOwStaR” Kim. Por ter muito dinheiro no futebol, a grande questão era se iam adquirir jogadores de nível internacional. Contrataram coreanos, de fato, mas não necessariamente da classe esperada. O time composto por Steve, Thomas “Kirei” Yuen, Jin “Blanc” Seong-min, Na “Pilot” Woo-hyung e sprattel não engrenou de primeira, mas no fim conseguiram a vaga pra Série de Promoção. Assim como seus colegas do esporte tradicional, no entanto, foram derrotados e não subiram. Então, na tentativa de solucionar quaisquer problemas que tivessem, os franceses fizeram diversas alterações nas posições de top e suporte. O problema é que aconteceram no meio do split — o que dificilmente ajuda uma equipe em busca de entrosamento — e, assim, terminaram rebaixados da segunda liga.
A lição, nesse caso, é que não é porque se tem coreanos que o time será um sucesso. O Brasil já importou nomes como Park “Winged” Tae-jin e Kim “Emperor” Jin-hyun e mesmo eles não foram capazes de pisar no palco internacional. Os problemas linguísticos são enormes, o que faz o investimento ser negativo. Caso o Flamengo decida trazer jogadores de fora — e para criar um esquadrão com experiência em macro isso é indispensável —, o ideal é chamar europeus. Isso porque eles usam o inglês como segunda língua —o que faria com que a comunicação fluísse— e têm uma cultura mais próxima da brasileira, acelerando a adaptação.
Outro ponto importante é que, caso o sucesso não seja instantâneo, desistir não pode ser uma opção. É essencial dar tempo ao tempo. PSG e Schalke tiveram até agora caminhos turbulentos, mas mesmo assim continuam com seus times. A repercussão de uma experiência mal sucedida seria embaraçosa para um clube do tamanho do Flamengo e sem dúvidas refletiria negativamente para o esport brasileiro também.
Com todo o prestígio e poder financeiro dos rubro-negros, é possível montar um roster com equilíbrio de experiência e talento cru. Isso porque há muitos jogadores no mercado com capacidade de vencer um campeonato, especialmente com a quantidade de times grandes em má fase. A infraestrutura futebolística dá uma ótima oportunidade para o cenário criar novos talentos e tentar, de vez, solidificar o Brasil como uma força a ser reconhecida. O Flamengo só não pode cometer os mesmos erros dos companheiros.