Murilo “takeshi” Alves nunca foi o tipo de jogador que precisa de títulos para conquistar milhares de fãs ao redor do Brasil. De fato, em sua carreira de oito anos como atleta de League of Legends, o Meio de primeira geração possui apenas dois – ambos internacionais, o Desafio Internacional 2013 e o Rift Rivals 2017.
Como falei em meu pedido de desculpas público ao Capitão, por sua experiência, habilidade e, principalmente, resiliência nas horas mais difíceis, takeshi sem querer criou para si um significado maior que ele próprio. Sua imagem extrapola o que ele é, como uma história que muda através dos anos, conforme é passada de pessoa para pessoa.
E isso só aconteceu porque dentre tantas coisas que poderia ser, takeshi escolheu ser verdadeiro no que é, no que sente, e no que faz.
– É sério, você ainda vai me matar com esses textos. Comentou takeshi rindo, quando o encontrei para conversarmos pessoalmente antes da final do Circuito Desafiante.
Acho curioso quando olho para ele e lembro muito dos tempos antigos de LoL no Brasil. “Quando eu era um moleque, e você ainda era narrador”, concordou takeshi. De fato, nossas histórias se cruzaram logo no início do cenário competitivo brasileiro. Crescemos juntos, mesmo que em áreas diferentes do eSport. Eu na mídia e imprensa, ele no mouse e no teclado.
Sentados lado a lado conversando sobre o começo de tudo, refletimos sobre o começo, onde as coisas eram amadoras e muitos faziam tudo por paixão.
Talvez o mais cruel de ter uma carreira longínqua como a de takeshi seja sentir o gosto agridoce de passar por despedidas. Uma mistura de sensações que vai de sentir-se sozinho a relembrar o tempo junto da pessoa. Ficar entre o egoísmo de querer você mesmo tomar a decisão do outro para respeitar e entender o que ele realmente quer. Deixar de lado o profissional, e olhar a pessoa por detrás.
Takeshi aponta para o braço. “Fico arrepiado só de pensar nisso”, comenta, com um sorriso de canto.
“Lembro de muitas conversas que tive com jogadores que decidiram se aposentar”, diz. “Depois que perdemos na semifinal da Segunda Etapa 2015, o Leko falou para mim ‘cara, eu não aguento mais’, e senti isso vindo dele de uma maneira muito sincera e honesta. Eu queria que ele continuasse, mas ao mesmo tempo tinha que respeitar a decisão e o sentimento dele”.
“Já com o Kami e o Mylon foi diferente. Ambos jogaram muito em 2017, ainda davam trabalho em todos os jogos, sendo quase unanimidades em suas posições”, diz takeshi, respirando fundo antes de continuar. “Mas pararam de jogar. Pararam porque aquela fome de vencer, aquela motivação para acordar cedo e treinar a semana inteira não estava mais lá. Às vezes as pessoas acham que é fácil, mas não, é muito difícil. Você dá a cara a tapa todas as partidas, é xingado e criticado, uma mistura de sentimentos muito forte”.
“Às vezes você está no céu,
às vezes está no fundo do poço.”
Até hoje é estranho ver pessoas como Leko, Mylon e Kami sem jogar profissionalmente, e a razão é clara. Falei exatamente disso quando escrevi um texto para YoDa em sua volta ao profissional.
A competição.
Aquela que dispara o coração.
A que te faz, cinco minutos antes de subir no palco, esquecer todos os problemas.
Ela deixa de lado as suas glórias e os seus tropeços.
Ignora campeões e azarões.
Não liga para passado nem futuro.
Para a competição, só existe mouse, teclado e presente.
Como um quadro vazio, os movimentos do mouse pincelam jogadas que ficam cravadas na memória do público. Elas regem uma sinfonia de gritos da torcida e de companheiros. Histórias contada em sangue derramado, contados em double, triple, quadra e penta kills.
A competição é viciante. Ela cria uma sede que demora para ser saciada, mas que volta logo depois que a partida termina, motivada pela frustração de uma derrota ou pela ascensão aos céus de uma vitória.
Takeshi, é claro, é um destes apaixonados por competição.
Mas como tudo que vicia e te faz viver no limite do esforço, da paciência e da entrega, uma hora a chama naturalmente começa a se esvair. E é por isso que nos perguntamos sempre quando figuras como takeshi e brTT pararão de jogar.
Afinal, o Capitão ainda possui a chama que o motiva a jogar?
Em esportes no geral, sempre paira pelo ar uma competitividade tóxica que premia os campeões, e despeja todas as críticas nos perdedores. Às vezes é melhor perder na semifinal e vencer a disputa de terceiro lugar do que chegar à final, sentir o gosto do ouro e se recolher para as sombras com a prata na mão, a dor no coração e as ofensas no ouvido.
De fato, takeshi é lembrado muito mais pelos seus cinco vice-campeonatos brasileiros (consecutivos, todos entre 2013 e 2017) do que por ser um jogador que, durante cinco anos seguidos, disputou o topo do pódio.
“Fui um fator comum em todas essas campanhas. Posso ter sido vice, mas tenho certeza de que todas as vezes em que cheguei nessas finais foi porque trabalhei muito duro, porque passei por coisas que nem todo mundo conseguiria passar, ouvi muitos xingamentos e críticas de pessoas que não sabem o que realmente está acontecendo. Não acho que deu errado só porque não ganhamos a final. A gente chegou até o último degrau, mas por um ou outro motivo não conseguimos passar dele”.
Muitas variáveis impactam o resultado de uma final. Veja o próprio Flamengo que venceu 23 de 24 partidas disputadas até a final do CBLoL, apenas para cair para a INTZ por 3-2. Assim como Kakavel, fundador da Team One, gritava nas arquibancadas após a vitória na semifinal do Desafiante contra a Red Canids, “Presencial é outra história!”, assim como finais. Para muitos pode parecer apenas desculpas, mas quem é profissional sabe, sem sombra de dúvidas, que numa carreira de alto nível você mais vai perder do que vencer. Para cinco jogadores levantarem uma taça, outros 35 ficaram pelo caminho.
“Por entender isso não sou muito duro sobre mim com relação a não levantar taças. Já caí em finais, já caí em semis, já fui rebaixado, hoje estou em outra final, enfim. Em todas elas eu garanto que sempre dei meu 110%. Essa semifinal contra a Red eu joguei com um sentimento de desgaste muito grande, saí de lá fisicamente e emocionalmente esgotado, e tenho certeza que até a última partida que eu disputar na minha carreira, é sempre assim que sairei dos jogos”.
“Tenho certeza que darei meu 110% até a última partida que eu disputar na carreira”
Sabemos disso, takeshi.
Até porque em muitos casos, a entrega do Capitão fica tão explícita que é marcante.
Quem não se lembra daquela partida de Yasuo contra a paiN, na fase de grupos do CBLoL 2015?
Ou a de Cassiopeia salvando o CBLoL nas semis do Rift Rivals 2017?
Ou até mesmo a mais recente, desempatando a semifinal contra a Red Canids no Desafiante?
Tudo isso só faz aumentar o sentimento de todos ao redor de takeshi. Ansiando pelo melhor, torcendo pelo seu sucesso, chorando suas derrotas e vibrando com suas vitórias. Há muito takeshi não é capitão das equipes por onde passa, mas sua imagem é icônica, e seu significado ainda mais.
Por estas que ele transforma todos ao seu redor.
Quem viu o Eyes on MSI 2017 entende a fala de Revolta no começo do episódio sobre o Brasil, que falava sobre a final da Primeira Etapa 2017.
“Uma das coisas que mais motiva esse time é saber que o takeshi merece essa vitória”.
E, após a derrota por 3-0, entender o choro do Meio, e o agradecimento em meio às lágrimas.
“Todo mundo, de alguma forma, tentou me ajudar o máximo que pôde. Não faltou esforço para me ajudar a ganhar isso, e não tenho um A para falar. Vocês foram incríveis”.
E neste momento, o Capitão chorou.
Nunca será preciso se olhar para takeshi para entender a sua importância. Basta ouvir e olhar.
Ouvir Revolta falando sobre a importância de vencer ao lado de takeshi.
Observar que, quando o Capitão fala, a sala entra em silêncio para ouvi-lo.
Lembrar do abraço que 4LaN deu em takeshi após vencerem a semifinal.
Atingindo assim outra final.
Outra oportunidade.
“Este Desafiante foi um período de provação para mim mesmo. Que testou minha fé e meu esforço, minha motivação e minha mente. Tive que repensar tudo para entender que eu ainda queria dar o meu sangue por isso. Nossa caminhada me mostrou quem realmente quer de verdade, sem papo furado ou estar ali apenas por estar. Quem realmente quer sacrificar tudo para voltar ao CBLoL. É um teste de fé, motivação e esforço, e chegar nesta final contra a paiN foi a maior prova de que nós realmente queremos”.
Do outro lado estão cinco jogadores que já foram considerados Top 3 de suas posições no Brasil.
Eles são a prova de ferro e fogo para uma caminhada fantástica que a Team One têm percorrido neste Desafiante.
E takeshi não é apenas uma história a mais nesta final. Ele impacta a tudo e a todos. De torcida a jogadores, de draft à estratégias dentro de jogo. Do sussurro na preleção ao grito durante o jogo.
Do choro da derrota ao choro de alegria.
“Se for para eles ganharem, pode ter certeza de que eles vão ter que dar muito mais do que sangue.
Eu vou estar aqui. Vou dar o meu máximo. Vou sair sem voz”.
“E, como sempre, não importa o resultado no final do dia, todos saberão que eu dei meu 110%”.
Fotos do texto: Riot Games e BBL eSports
Bruno “LeonButcher” Pereira é jornalista de eSports. Ex-narrador de League of Legends, acompanha o cenário competitivo brasileiro desde os seus primórdios, em 2011, e escreve para o seu blog, Underground League, no Medium. Siga-o no Twitter em @Leeonbutcher.