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A arte de instruir: o que faz um bom treinador?

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Aprender. Ensinar. Ouvir. São diversos os elementos que fazem um treinador ser um bom treinador. De Grabbz a cvMax. Do Ocidente ao Oriente. Quais as semelhanças e diferenças? 

Certos assuntos nos atravessam de maneira recorrente. Eu não acompanho esports há tanto tempo assim, e, mesmo quando iniciei, alguns temas sempre atraíam a minha curiosidade. Constantemente me deparo com a seguinte questão: “O que faz um bom jogador ser um bom jogador? E o que faz um bom coach ser um bom coach?” Parece algo básico, afinal, para qualquer entendedor, um bom profissional certamente é alguém com um bom nível de conhecimento e de prática.

Mas será mesmo que a compreensão é assim tão simples? Quando falamos de competição, bem… talvez a história seja outra. São vários os fatores que influenciam a carreira de atletas e treinadores, e nem todos são passíveis de serem reconhecidos para nós que assistimos, torcemos e analisamos. Na sequência, trago alguns pontos que considero relevantes para suscitar e estender essa reflexão. 

Para começar, gostaria de trazer algumas memórias. Uma delas vem de uma entrevista com GrabbZ, o coach responsável pela G2 Esports. Sempre muito questionado pelo seu elo (por não ser um profissional com elo alto), ele sempre negou veemente que esse fosse um fator que diferenciasse os treinadores. “Não há um papel para o treinador, porque um bom treinador vai olhar para a sua equipe e ver o que ela precisa”, afirmou. 

 

Fabian já foi uma espécie de “professor” para algumas equipes que treinou. Mas atualmente, na G2, ele se considera um mediador. É ele o responsável por coordenar e fazer com que a atmosfera seja boa, isto é, colocar o grupo numa mesma página.

É importante encontrar equilíbrio e conclusões objetivas e não apenas “Jogue x aqui, o campeão pode ser bom”. nós testamos e perdemos o jogo, claro que a primeira reação que você tem é “talvez não seja tão bom ”. Mas é o meu papel dizer que, na verdade, a razão pela qual perdemos o jogo foi isso, isso e aquilo. Não importa o campeão, seria a mesma conclusão, então vamos tentar de novo – Grabbz

Ao mesmo tempo, outra declaração sua me chamou bastante a atenção: “Eu poderia me dedicar, poderia levar um tempo para me tornar um top laner muito bom. Mas para quê? Eu poderia gastar 38 horas para assistir VODs do Wunder e ter um ponto. É ineficiente. Eu como um jogador ruim não posso ensinar nada a ele e, mesmo se eu pudesse, seria ineficiente. Ao invés disso, eu olho pros movimentos de mapa, eu vejo a comunicação, o modo como conversamos e trocamos informações, como praticamos. Todos se sentem bem? É isto que eu me questiono. Alguns dizem que “trollamos”, mas isso só funciona porque o nosso clima é bom”. 

Nesse trecho, GrabbZ fala sobre muitas coisas que não estão tão explícitas. Seu ponto é bem claro, ele não crê que seu papel seja ensiná-los, pois eles claramente serão muito melhores mecanicamente e em termos de conhecimento das rotas. Sua função é outra, ele é praticamente um termômetro da equipe. Quando reflete sobre todos se sentirem bem, está se preocupando mais com aspectos internos e emocionais dos seus jogadores, do que com questões do jogo propriamente ditas. Quando ele fala sobre “trollar”, aborda algumas situações recorrentes em partidas do time. Eles são autênticos, se divertem, fazem escolhas de campeões inusitadas. Esse fato representa muito, significa que o momento é bom. 

No Oriente, já vimos algumas situações bem diferentes. Me recordo de ficar um tanto quanto surpresa ao ler uma declaração de “cvMax” assim que iniciou seus trabalhos na coreana Griffin: “Logo que entrei, perguntei aos seis jogadores se havia alguém que conhecesse League of Legends mais do que eu. Eu joguei 1 vs 1 contra todos eles. Nem um único me bateu. Então, em uma sessão de feedback logo depois, provei o quanto era bem informado sobre o jogo. Eu dei o meu melhor para ganhar respeito e confiança.”

Não vou negar que esse tipo de relato me chocou de certa forma, e o estranhamento não é de fato ruim, porque estamos falando de outra cultura, outros valores. Mesmo que pareça ofensivo à primeira vista, o método de cvMax funcionou. A Griffin da primeira etapa de 2019 dominou boa parte do campeonato e chegou na final. No entanto, perderam de 3-0 para a SKT T1 de Faker. Na etapa atual, o time repetiu o sucesso ao se manter em primeiro e já está garantido para a final e o campeonato Mundial. 

“Eu digo aos meus jogadores para serem “extremamente rigorosos consigo mesmos”.  eu digo a um jogador que se culpe, e apenas a si mesmo, não importa qual seja a situação. O mesmo se aplica a mim também.

Vivemos juntos abertamente, sem reservas. Os jogadores às vezes imitam minha voz também – cvmax

Apesar de terem sido duramente derrotados no semestre passado, o elenco de novatos surpreendeu bastante. Chovy, Tarzan e Viper foram alguns dos nomes mais mencionados quando o assunto era a LCK. A maneira de cvMax de treinar era muito diferente de qualquer outra. Ele sentiu que precisava ganhar o respeito dos jogadores e o conquistou à sua maneira. Do mesmo jeito, ele acreditava que um jogo baseado em pouca comunicação ou melhor, o método de “playing without shotcalls” fosse um grande diferencial para a equipe, e realmente foi. 

A partir desse momento o treinador imprimiu sua marca num grupo que dominaria a fase de pontos com base num jogo em que praticamente nada é setado de maneira falada. Na etapa passada, cvMax explicou melhor: “Digamos que o caminho correto a ser seguido fosse reunir no mid, mas apenas um jogador conseguiu optar por ele. Se este jogador conseguir persuadir seus companheiros de equipe a ouvi-lo, você acha que eles vencerão? Não, eles não vão. Os outros quatro jogadores farão movimentos desnecessários, semelhantes a lixo, e suas mentes ficarão nubladas. Eles vão perder 100%.”

“Se os jogadores forem forçados a fazer uma determinada jogada e falharem, isso trará o pior resultado. Os quatro jogadores darão feedback de que o caminho correto a ser seguido seria dividir o push. O jogador individual que ofereceu a resposta correta se confundirá. Se todos os cinco membros tomassem a mesma decisão de ir para o mid, eles teriam vencido. De fato, se todos os cinco membros vierem a tomar a mesma decisão em qualquer circunstância, eles podem tomar o caminho errado. O importante é que todos pensem da mesma maneira e, se o fizerem, não há necessidade de fazer chamadas.”

Esse tipo de pensamento é outro que nos assusta se não nos atentarmos a alguns detalhes. Comunicação é quase sempre vista como um aspecto crucial para o desenvolvimento de um coletivo, é uma tecla que batemos sempre, mas não sem motivos evidentes. 

Quem não se lembra da chamada de Uzi que ganhou o MSI em 2018? “Eles ainda não tem a bandana de mercúrio, faltam dez segundos de recarga”. Uma simples frase que carregava uma informação extremamente valiosa e que, logo em seguida, abriu a brecha necessária para que a jogada que garantiria a vitória acontecesse e a RNG finalizasse a série. 

Do mesmo lado da moeda, temos Perkz, um jogador que é sempre citado como principal referência da G2 e da própria Europa como um todo. Novamente, nas palavras de GrabbZ: “Perkz é a pessoa mais motivada com quem trabalhei no esports de longe. Se você tem alguém que vai lhe dizer o que fazer porque ele acredita em si mesmo e sabe que ele é bom, então o jogo é fácil de jogar porque ele não entra em pânico”. 

Esses jogadores não apenas sabem se comunicar, mas foram estimulados e estiveram num ambiente que proporcionou o desenvolvimento dessa habilidade. Mas tudo isso é sobre metodologia, sobre diferentes visões do jogo e de como jogar. Alguns poderiam me perguntar “Qual está certo?” e eu responderia “Depende”. Depende da equipe, depende dos jogadores, depende do que o coletivo necessita. 

Eu não gosto dessa visão maniqueísta e nem de limitar os potenciais dos nossos atletas e profissionais, acho que precisamos ir além. Se tem uma coisa que eu aprendi com cvMax, GrabbZ, Uzi, Perkz e com a Griffin, é que não há uma fórmula mágica, nem uma receita de como as coisas devem ser feitas. 

Mesmo aqui no Brasil, tivemos figuras bem distintas. Peter Dun, Tabe, ScrappyDoo, Nuddle, Hiro, Von, Maestro, Djoko, Mit… eu poderia citar por horas várias características que os diferenciam, e ainda assim não seria o suficiente.

O segundo, por exemplo, teve uma grande dificuldade em lidar com os jogadores da KaBuM na época, o que não necessariamente implica que ele foi ou é um “mau coach”. As diferenças entre os métodos de Tabe e Hiro foram se evidenciando até o momento em que o trabalho que mais se adequou a equipe foi o que permaneceu. 

Ainda que grande parte desse trabalho não chegue ao público, precisamos ser capazes de reconhecer que cada um terá o seu papel e que o que os define não é somente a vitória ou a derrota, mas suas ferramentas. O que eles representam para suas equipes? Como coordenam, administram e auxiliam os jogadores a conseguir dar o seu melhor? 

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Letícia Motta

por Letícia Motta

Publicado em 22 de agosto de 2019 • Editado há mais de 5 anos

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