Cleber ia apenas com 11 anos de idade nas LAN houses, mas a mãe fazia questão que o irmão mais velho o acompanhasse nas idas e vindas pelas arenas paulistas recheadas de gladiadores adolescentes do mouse e do teclado. Mal ela desconfiava que a dupla, ali mesmo nos corredores iluminados pelos monitores, começaria uma história de tradição e pioneirismo quando as primeiras chamas se alastravam pela fornalha do chamado esport brasileiro. Era o início dos Canibais, um dos times de Counter-Strike 1.5 que se manteria firme e forte pelos 18 anos seguintes nas competições virtuais de videogame.
“Naquela época, todo mundo que tava no colégio jogava”, contou Cleber “Fuzi” Fonseca, um dos fundadores da CNB, ao relembrar do ‘boom’ do mod da Valve ainda no início do milênio. “O CNB surgiu como um grupo de amigos. Basicamente a gente se reunia pra jogar e desde aquela época a gente gostou da competição. Antes de termos os campeonatos de fato a gente ficava no servidor e geralmente os integrantes do CNB sempre estavam no ‘top frag’. A competição era essa até então”, completou.
“Aos poucos apareceram mais campeonatos, a gente foi evoluindo e começamos a ganhar destaque. A gente se saía bem nos torneios e ficamos conhecidos na comunidade”, relata. Enquanto Fuzi gostava mais de competir, o irmão Carlos “Fury” Júnior pegou gosto pela logística das competições — algo que posteriormente se converteu na parte administrativa do time. Aliás, pouco a pouco eles começaram a adotar a sigla CNB para evitar muitos preconceitos na hora de vender a marca.
O destaque nacional e internacional pelo Counter-Strike veio entre 2009 e 2010. Na ocasião, a equipe de Arthur “prd” Resende, Thiago “btt” Monteiro, Guilherme “spacca” Spacca, Olavo “cky” Napoleão e Gustavo “MKR” Mekaru chegou até as finais da seletiva nacional da KODE5 em Curitiba. De lá, eles venceram a compLexity duas vezes — tanto na Winners Bracket quando na Grande Final. A organização internacional era representada nessa época por Gabriel “FalleN” Toledo, Lincoln “fnx” Lau, Renato “nak” Nakano, Bruno “bit” Lima e Bruno “bruno” Ono.
E assim começaram as viagens da equipe. “2009, 2010 foi bem movimentado. A gente tava com uma equipe que era muito forte e conseguia ir muito bem nos campeonatos até pegar as vagas. Ia muito para o interior de São Paulo”, lembra Fuzi.
A vitória na capital paranaense garantiu a presença na final internacional no Peru. Por lá, eles venceram invictos a competição e levaram US$ 25 mil. Meses antes, a equipe também tinha efetuado uma campanha consistente na GameGune 2010 na Espanha com uma vitórias nos playoffs contra a mousesports e um placar acirrado de 16 a 10 contra a fnatic.
História pelo DotA
A divisão de DotA também foi conhecida por trazer personalidades e jogadores que, posteriormente, seriam figuras conhecidas pelos esports. Em uma das primeiras investidas no game, o time contou com ninguém menos que Arthur “PAADA” Zarzur — o capitão que deixaria a equipe da CNB para fundar a paiN Gaming meses depois.
Mas outro jogador-chave foi ninguém menos que Felipe “brTT” Gonçalves.
“Ele sempre foi fora da curva e um bocado inteligente”, contou Fernando “Ploc”, capitão da segunda formação da CNB com brTT. “[Ele] foi certamente o cara mais agressivo que eu tive oportunidade de jogar e, na minha opinião, foi o melhor jogador da América do Sul por um bom tempo.”
“Lembro de algum campeonato importante que jogamos (o time ainda não era a CNB ainda) e a gente havia perdido o primeiro jogo da final em uma melhor-de-três em uma Upper Bracket. Ele chegou a tempo do jogo 2 e, não por acaso, ganhamos a série”, completou.
O carioca participou de duas formações da CNB antes de migrar para o League of Legends — uma que inclusive representou o Brasil na Electronic Sports World Cup em 2010 mas não saiu da fase de grupos. Dessa participação, só se mantiveram na line-up brTT e Bruno “Darky” Vieira, chamando posteriormente o reforço de Ploc, Igor “domy” Fiorese Vieira, Daniel “MrDoon” Froés e outra figura que ficaria conhecida posteriormente no League of Legends: Eidi “esA” Yanagimachi.
“Acho que quando eu joguei com o Darky foi a melhor época”, relembrou o jogador que atualmente representa a paiN Gaming no League of Legends. “Conhecemos o ‘Clebão’ que já pensava no futuro desde essa época”, completou.
O próprio esA enfrentaria brTT no League of Legends — principalmente na época que ambos atuavam como atiradores no MOBA da Riot Games. Mas foi no Flamengo, entre 2017 e 2018, que os dois se uniram novamente pela mesma equipe. “Quando eu joguei com o brTT no DotA não éramos tão próximos. Jogamos por alguns meses juntos mas como era tudo ‘online’ na época, a gente só conversava via TS”, relembrou. Mesmo em equipes diferentes, os dois se mantém em contato. “Mas acho que já sabíamos da personalidades um do outro quando fomos para o Fla.”
A transição para o DotA 2 continuou com apostas pela CNB com várias formações. Danylo “GRD” Nascimento, Adriano “4dr” Machado e Otávio “tavo” Gabriel foram alguns dos principais nomes que apareceram pela organização nos anos seguintes.
“Acho que ela acreditou quando ninguém acreditou”, explicou Ploc. “Foi pioneira, foi ousada. Já foi recompensada e ‘punida’ por isso. Por diversas vezes eles estruturavam um time, a paiN vinha e tirava o time deles perto de uma grande competição; enfim, coisas do mercado. Acredito que se o Brasil entre o DotA 1 e 2 (até o ano de 2016), jogou ao menos 8 campeonatos internacionais presenciais, a CNB tem uma parcela de culpa gigante. Foram e são essenciais para o cenário”, completa.
Pioneiros no Street Fighter
Quase paralelamente, a CNB também surpreendeu a comunidade brasileira de jogos de luta ao chamar o primeiro jogador de Street Fighter patrocinado por uma organização tradicional dos esports: Eric “ChuChu” Moreira.
“Quando se jogava um DotA, até um Counter-Strike, era muito pra quem jogava de fato”, explicou Fuzi. “Pra assistir e ter entendimento completo do que tá rolando você tem que jogar pelo menos um vez. No Street Fighter a gente identificava que além de ser um jogo muito antigo e que as pessoas tinham muita familiaridade, era um jogo fácil de assistir. Pensando na disseminação dos esports, o Street Fighter foi um dos principais para a gente naquela época. Porque se a gente colocasse nossa vó para assistir ela ia ver o ‘sanguinho’ (a famosa barra de vida) e quem deitasse perdeu, né”, brincou.
A oportunidade se concretizou também por volta de 2009 e 2010, quando ChuChu se classificou para as finais da ESWC. “[Foi] como a realização de um sonho”, fala o jogador, dando risadas da lembrança. “Na época eu nem imaginava que existiam essas organizações, quando me chamaram eu pensei: WTF! Os caras querem pagar pra eu jogar usando a camiseta deles? Não é possível”, relembra.
“Na época como eu era muito novo e não tinha um pensamento formado no cenário apenas pensei como qualquer um pensaria: vou receber pra jogar, BORA! No meu caso, eles me ajudavam com equipamentos e custos para campeonatos, não cheguei a ter ajuda de custo mensal, mas desde que entrei no time tive apoio 100% com custos para campeonatos e eles não exigiam nada das minhas premiações, então era tudo muito bom por lá”, completou.
A CNB também chamou mais especialistas de Street Fighter para vestir a camiseta da organização no decorrer dos meses. Saka, Dr. House e Kaká se juntaram à ChuChu. “Com eles era bem fácil pois já éramos amigos e parceiros de treino antes mesmo da CNB nos juntar na equipe. Treinávamos juntos e apoiávamos uns aos outros nos campeonatos, era bem legal. Inclusive nossa amizade dura até hoje, nos reunimos de vez em quando pra fazer um churrasco, assistir o EVO ou a Capcom Cup. São pessoas queridas por mim”, complementa.
E o impacto dessa participação no cenário foi bem importante aos olhos do jogador. “Até onde eu sei, eu fui o primeiro jogador de Fighting Games a ser patrocinado por uma equipe deste calibre. Acho que ela impactou diretamente na formação de times e na vontade dos jogadores treinarem, ficarem bons e talvez fazer parte de uma equipe dessas. Fora a visibilidade também que aumentou um pouco graças a fama que a CNB tem. Ter um jogador de games de luta por lá fez com que outras pessoas que não conheciam o cenário se interessassem e fossem acompanhar ou até mesmo entrar nos torneios”, finaliza.
A aposta no League of Legends
Além dos times citados, a CNB também já contou com representantes de Heroes of the Storm, StarCraft, Hearthstone, FIFA e Guitar Hero. Mas foi no início do League of Legends no Brasil que a equipe começou a encontrar a estabilidade e a popularidade que viabilizaria os próximos passos rumo à estrutura profissional.
“Quando a Riot Games chegou no Brasil, ela começou a dar uma base importante principalmente de campeonatos”, lembrou Fuzi. “E o contato direto. Quando converso sobre isso eu falo que nunca conversei com uma pessoa da Valve. 18 anos no mercado, já participamos de vários campeonato de CS e de DotA e nunca tive essa oportunidade. Isso mostra que quando a Riot chegou e a gente podia falar com os Rioters dos planos, foi muito bom para dar um embasamento a longo prazo”, reforçou.
A CNB, inclusive, foi a primeira campeã de uma partida oficial da Riot Games na região da América Latina. Em 9 de agosto de 2012, na abertura do servidor brasileiro, o estúdio chamou duas equipes para disputarem um showmatch. De um lado, a CNB com Gabriel “prZo” Kenji Hirota, Jonathan “Jow” Nascimento e Roberto “Anjinho” Buzzoleti. Do outro, a vTi com Matheus “Mylon” Borges, Leonardo “Alocs” Belo e André “manajj” Rocha.
Manajj e Alocs seriam peças fundamentais para compor a rota inferior da CNB nos anos seguintes. Com eles ao lado de Whesley “Leko” Holler Iareski, Gabriel “Revolta” Henud Cresci e Murilo “Takeshi” Alves, a equipe seguiu forte nas temporadas à frente. Mas o final de 2014 foi algo que o próprio Fuzi descreveu como o período mais difícil de toda a história da organização.
Fechando a fase regular do CBLoL com 18 pontos, a CNB passou por cima da LegendsBR e da paiN nas eliminatórias. A grande final, travada no Maracanãzinho, no Rio de Janeiro, foi contra a KaBuM — a mesma KaBuM que venceu a dominante Keyd Stars com brTT e os coreanos An “SuNo” Sun-ho e Park “Winged” Tae-jin. O resultado arrasou os Blumers, fechando três a um contra a Nação Azul.
“Aquele dia com certeza mudou minha vida”, contou manajj em entrevista para o Mais Esports. “Um dos piores da minha carreira. Mas, pra mim, a de 2013 foi pior”. No ano anterior, a CNB perdeu outra final por dois a zero contra a paiN Gaming de brTT e Gabriel “Kami” Bohm.
Após o disband dessa line-up, a CNB passou por fases instáveis e assumiu riscos ao apostar em novas faces no cenário. Em 2017, o time ficou pertinho da linha de rebaixamento do CBLoL ao terminar a fase regular em sétimo lugar, mas se manteve depois de uma vitória por três a zero contra a Operation Kino.
A situação, no entanto, se mostrou mais equilibrada agora. No ano passado, ela fechou a participação no CBLoL na terceira colocação depois de perder por três a zero contra o Flamengo. E, no primeiro split de 2019, irá tentar mais uma fase eliminatória depois de se garantir nas semifinais depois de uma vitória contra a ProGaming.
O passado e o futuro em um mesmo DNA
Dos campeonatos nas LAN houses até a consolidação da gaming house e dos seus torcedores, a CNB não esconde o seu DNA nas veias do cenário amador. O projeto Preparando Campeões, que faz peneiras de jogadores com potencial para o cenário profissional, faz parte disso e ganhará a sexta edição em breve.
“Em 2009 ou 2010, a gente chegou a ter um projeto de peneiras que era para várias modalidades e para fazer parte dos times principais. Eu lembro do próprio Guitar Hero, Street Fighter, nossa ideia era selecionar os melhores jogadores. Nós tínhamos um vídeo pronto em algum canal perdido da CNB e a gente nunca postou. Nós recuamos porque a gente não tinha muita estrutura para fazer o processo seletivo”, lembra Fuzi.
A inclusão dos esports é um dos pontos-chaves para Fuzi, que lembra que nunca teria feito parte de um time da NBA por ter um metro e sessenta de altura. “E tem muita gente que se espelha [em nossos jogadores]. A gente recebe os torcedores na nossa Arena e já teve caso de um menininho de seis anos que queria ser jogador profissional de LoL. É um negócio que não é mais tendência, é uma realidade.”
A persistência fecha o pacote em todos os 18 anos ao lado de outro fator essencial: a torcida. “Só tenho a agradecer porque o pessoal acompanha muito, a gente tem uma torcida muito fiel. Mesmo quando a CNB não tá no hype a gente tem uma torcida que sempre acompanha e que é muito apaixonada. Então esse é o nosso maior trunfo nessa caminhada. Tem muita gente que tem a mesma paixão que eu e meu irmão temos pelo CNB”, agradece Fuzi.
Há uma palavra em comum que ultrapassou a barreira dos jogos na hora de conversar com os antigos jogadores. “Sinto um carinho enorme pela CNB, sempre respeitei muito a organização”, lembrou esA, afirmando que tem contato com os antigos integrantes da equipe de DotA até hoje.
E se o Manajj voltaria a jogar pelo CNB? “Com certeza.. Minha vontade é tentar o CBLoL, mas ainda que tenha que começar no Circuito vou seguir como puder.. Se minha volta já for para um time que joguei no auge, é porque estou no caminho certo! Tenho muito carinho pelo CNB”, completou o jogador que anunciou recentemente a sua volta ao cenário competitivo.
“E o pessoal tem que entender que o CNB é isso. Novos talentos. A gente monta time forte pra brigar também, mas a gente gosta de riscos. Grandes riscos, grandes recompensas”, finaliza Fuzi.
E assim o Rei se levanta para brigar mais uma vez.