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A história de kscerato: Da comunidade do Jardim Helena para o mundo

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kscerato emocionado após a classificação da FURIA (Foto: Reprodução)

“Eu estava onde meu irmão queria estar. Isso me deixou bastante emocionado, sabe? A gente via os nossos ídolos jogando major e ficava imaginando a gente lá. Ao mesmo tempo que eu fiquei feliz de conseguir, eu também fiquei triste dele não estar comigo”, comentou kscerato, visivelmente emocionado ao ponto de não conseguir segurar suas lágrimas, sobre o que passava em sua mente após a classificação para a IEM Katowice 2019.

Kaike Silva Cerato nasceu na cidade de São Paulo, mais especificamente na comunidade do Jardim Helena, no dia 12 de setembro de 1999. Kscerato, como é conhecido por fãs e companheiros, vivia em uma situação complicada financeiramente quando jovem. Durante sua infância e adolescência, sonhava em ser arquiteto, engenheiro elétrico e desde muito cedo, jogador profissional de CS.

Filho de Luiz e Ivone e irmão de Kauan, Kaike sempre foi uma pessoa que valorizou as relações que tinha com sua família, com quem era muito próximo.

“Sempre fui muito próximo da minha família e meus pais sempre tentaram ficar o mais perto possível de mim. Meu pai perdeu os dois pais dele quando ele tinha quatro anos de idade, então ele tentou ser o mais próximo de mim que dava. Já minha mãe também sempre esteve presente, você sabe, mãe é mãe”, contou.

kscerato e seu irmão quando ainda eram crianças (Foto: Arquivo Pessoal)

O primeiro contato de kscerato com os jogos aconteceu quando ele tinha sete anos. Presenteados por seu pai, Kaike e seu irmão ganharam um Playstation 1, com o qual passavam horas jogando Crash Bandicoot e Winning Elleven.

Um pouco mais tarde, quando tinha nove anos, kscerato conheceu a série Counter-Strike em uma lan house que pertencia a um primo de sua família.

“Na comunidade onde eu morava tinha uma lan chamada Bola de Fogo, que pertencia a um primo do meu avô. Como meus pais eram próximos da família do dono, nós íamos visitar ele e eu e meu irmão ficávamos jogando enquanto eles conversavam. Foi ali que conheci o CS e eu lembro do primeiro mapa que a gente jogou no 1.6 foi o fy_pool_day”.

A paixão pelo jogo foi instantânea e kscerato passou a frequentar regularmente a lan house para poder jogar Counter-Strike.

“Lembro de uma vez que meus pais tinham saído e pulei o portão da minha casa para poder ir na lan. Estava sozinho em casa e queria jogar, foi aí que percebi que estava viciado (risos)”, completou o jogador.

Com o passar dos anos, kscerato e seu irmão Kauan foram melhorando dentro do jogo e passaram a dominar os servidores de CS da lan house que frequentavam. Vendo a quantidade de tempo que seus filhos passavam jogando e a evolução deles dentro do CS, seu pai decidiu comprar um computador para Kaike.

“Meu pai tinha um PC que ele usava para trabalhar e eu e meu irmão costumávamos revezar nele quando ele não estava usando. A gente tinha um vizinho, b1nho, e ele foi vendo que eu era bom no jogo e ajudou a convencer meu pai a comprar um computador para mim”.

Podendo agora jogar de casa, kscerato passou a treinar ainda mais e montou seu primeiro time, que contava com seu irmão Kauan e seu vizinho, para competir pelas lans de São Paulo.

“Quando eu peguei meu próprio PC, a gente [Kaike e seu irmão] ficou mais no jogo e criamos nosso primeiro time amador com nosso vizinho. Nós íamos para as lans de São Paulo competir nos campeonatos locais. Para você ter uma noção, jogávamos com o CS pirata, não tínhamos nem Steam porque na época o jogo era meio caro, em torno de 32 reais”.

“Meus pais sempre me apoiaram a jogar competindo, porque diante da situação da quebrada, eles sempre pensaram que era melhor eu estar no PC do que juntos dos moleques que fazem coisas ruins”, afirmou o jogador.

Mesmo passando boa parte de seu tempo jogando CS, Kaike ainda era muito jovem e tinha que lidar com situações normais de qualquer adolescente, sendo a principal delas a escola.

Kscerato era um bom aluno e tirava notas boas, mas não gostava muito de frequentar as aulas e preferia ir à instituição para conversar com seus colegas de sala. O tempo foi passando e Kaike decidiu seguir os passos de seu irmão e fazer um curso técnico de eletrotécnica.

“Quando eu tinha quinze anos, eu entrei em um curso profissionalizante de eletrotécnica por dois anos. Foi a melhor época da minha vida, era uma matéria que me interessava muito e apreendi coisas que eu sei que vou usar na minha vida. Também criei muitas amizades boas que eu tenho até hoje. O CS e a elétrica para mim são coisas que eu amo”.

“Quando eu terminei o curso, comecei a trabalhar como jovem aprendiz em uma empresa de engenharia subterrânea, onde fiz seis meses de aula teórica e fiz uns cursos do Sebrae para ganhar um dinheiro, isso tudo ao mesmo tempo que jogava CS”.

Com Kaike tendo que dividir seu tempo com três coisas diferentes sua rotina foi ficando cada vez mais pesada e conciliar tudo foi um grande desafio.

“Eu tinha aula pela parte da manhã e a eletrotécnica pela tarde. Como o curso era bem longe, eu chegava em casa por volta das 20h e ficava treinando até 1h. Foi bastante corrido”, contou.

O COMEÇO DA CARREIRA PROFISSIONAL

Conseguindo arrumar tempo para todas as suas tarefas e focando cada vez mais no Counter-Strike, kscerato entrou no seu primeiro time profissional em 2011, Allforone, ao lado de seu irmão Kauan e de Marcelo “chelo” Cespedes – atual INTZ.

Pela equipe, Kaike jogou lans que contavam com time e jogadores renomados do cenário competitivo de CS 1.6, como a FireGamers, que tinha em seu elenco Gabriel “FalleN” Toledo e Lincoln “fnx” Lau.

“Montamos esse time e jogamos algumas lans e campeonatos da GA. Ficamos em 4°/5° da Batalha Gamer 2011, que era considerado o campeonato brasileiro da época e onde tinha times como playArt e FireGamers. Também ficamos em 3° em uma das Ligas Pro da época”.

“Lembro também que com essa line vencemos três vezes seguidas o campeonato da FCBF [antiga organizadora de torneios de CS 1.6], que era disputada na Psy Lan, meus primeiros títulos como jogador”, relembrou ksc.

Um ano depois, em agosto de 2012, foi lançado o Counter-Strike: Global Offensive, continuação da aclamada série que Kaike havia se apaixonado alguns anos antes. Com o cenário competitivo dividido entre dois jogos [GO e 1.6], kscerato lembra de como a situação era complicada.

“A gente trocava bastante de organização. Quando estávamos em um time acontecia do nada dos donos sumirem e tínhamos que mudar a tag. Muitas vezes era só promessa e não nos pagavam, ficávamos na saudade (risos)”.

kscerato jogando CS:GO em casa (Foto: Arquivo Pessoal)

Em 2014, após dois anos sem conseguir ficar de forma fixa em uma equipe e com o cenário se profissionalizando cada vez mais, Kaike entrou na Army5, onde finalmente representou uma organização por um longo período.

“Entrei na Army5 e fiquei bastante tempo no time, em torno de um ano e meio. Jogamos alguns dos primeiros campeonatos importante do CS:GO aqui no Brasil como a Liga Razer e a TOP Run Arena. Lembro de jogarmos contra o coldzera quando ele ainda estava na Dexterity”.

O ANO MAIS DIFÍCIL DA CARREIRA E TEMPOS COMPLICADOS COMO PROFISSIONAL

Após passar tanto tempo com sua equipe, a line-up da Army5 foi desfeita no início de 2016. Chelo deixou o competitivo de CS:GO para atuar como profissional de League of Legends e os outros jogadores seguiram rumos diferentes, deixando Kaike e seu irmão sozinhos.

A dupla continuou jogando CS e tentou montar diversos times em 2016 para continuar competindo, porém nenhum deles dava certo e em pouco tempo já estava se desfazendo. A época foi tão difícil, que kscerato pensou em desistir.

“Pensei sim em desistir. Mas foi meu irmão que me incentivou a continuar. Ele chegava para mim e me dava um choque de realidade, falava para eu tomar vergonha e que eu não podia parar de jogar, não podia desistir. Ele fez de tudo para que eu não parasse de jogar CS”.

“2016 foi um ano de mudança. Além de ter pensado em desistir diversas vezes, foi meu ano rebelde, em que briguei com todo mundo. Ainda era meu ano de TCC, o que deixou tudo mais complicado”.

Continuando nessa fase de trocas constantes de times por mais de um ano, Kaike só foi se encontrar novamente em outubro de 2017, quando entrou para a ProGaming Esports. Na nova equipe, kscerato jogou CS profissionalmente pela primeira vez sem seu irmão Kauan.

“Depois que eu vi o chelo saindo da zona de conforto e se dando bem no CS, eu fiquei pensando ‘será que se eu jogar com pessoas diferentes eu consigo melhorar meu jogo?’ Não que meu irmão me atrasasse, longe disso, mas passei a jogar com outras pessoas”.

“Como meu PC na época era muito ruim, eu só jogava pug e fui criando amizades. O pessoal falava que eu jogava bem e fui chamado para a ProGaming”.

“Também recebi propostas de outras boas equipes, mas escolhi a ProGaming por causa das pessoas que jogavam lá. Tinha o pessoal do 1.6, ellllll, rikz, então pra mim foi como um sonho jogar com esse pessoal mais experiente”.

Mesmo com o time durando pouco, aproximadamente dois meses, Kaike acredita que seu tempo na equipe o ajudou muito e guarda os ensinamentos de seus ex-companheiros até hoje.

“Eles me motivaram bastante, diziam que eu era um jogador inteligente, que tinha uma mira boa e que se eu focasse no jogo eu teria um futuro e seria bom. Eu era bem novo em 2017 e esses caras me ajudaram muito. Eu apreendi bastante com eles”.

Logo na sequência, Kaike assinou com a Dai Dai Gaming, mas assim como em tantos outros projetos, acabou ficando pouco tempo. Nesse período sem time, kscerato passou a trabalhar na Zowie – Loja de periféricos para computador – ao mesmo tempo que treinava em pugs.

“Um dos meus ex-companheiros da Army5, blv, virou gerente da Zowie. Lá tinha um campeonato 2×2 e ele arrumou um emprego para mim e meu irmão. Ele criou um projeto em uma lan onde as pessoas podiam testar os mouses, mousepads, monitores e chamou a gente para montar os equipamentos. Era um trabalho muito pesado, mas conseguíamos ganhar uma grana”.

“O blv foi um anjo para mim e ele me ajudou muito. Quando eu e meu irmão íamos para a lan, nós não tínhamos dinheiro nem para comprar comida e ele pagava para nós. Levava a gente em casa, pegava a gente em casa. Agradeço muito a ele”.

Durante o tempo que passou sem conseguir arrumar uma equipe para jogar, Kaike participou do campeonato 2×2 organizado pela Zowie junto com seu irmão duas vezes e foi campeão em ambas as oportunidades.

kscerato e kncerato disputando o evento 2×2 da Zowie (Foto: Arquivo Pessoal)

“Além da gente montar e desmontar os equipamentos, a gente também jogava os campeonatos 2×2 na lan house da Rocketz. Nós ganhamos as duas vezes que participamos. Na primeira vez recebemos um mousepad edição especial do Brasil, o primeiro equip que venci jogando CS. Já na segunda, o prêmio era o mesmo, então decidimos dar para os vice-campeões. Pensamos que eles precisavam mais do que nós”.

Depois de algumas edições do torneio, aconteceu o 2×2 all-stars, campeonato onde somente os vencedores de cada mês disputavam valendo um teclado mecânico.

“Eu e meu irmão vencemos o torneio e ganhamos o teclado. Esse é um dos melhores teclados que já usei na minha vida. Era só um 2×2 mas eu estava gritando na lan (risos). Para o cara não era nada ter esses equipamentos, para mim era tudo”.

Além de blv, Kaike também tem muito carinho por outra pessoa do cenário que sempre o ajudou. Já que tinha um computador muito ruim para rodar o CS:GO na época, kscerato costumava jogar de graça na Power Lounge, lan em São Paulo que pertence a André “bob” Cardoso.

“O bob também foi outro anjo. Ele sabia que eu e meu irmão não tínhamos muito dinheiro, então ele sempre facilitou para nós podermos jogar. Ele deixava a gente usar os computadores sem pagar, só pagávamos o consumo. Esse cara foi muito bom para nós. A Power Lounge é um lugar que eu quero ir mais vezes e já disse para ele [bob] que quero dar uma camisa minha para ele por na parede. Eu joguei muito tempo lá”.

RETORNO AO COMPETITIVO E ENTRADA NA FURIA

Depois de meses longe do competitivo, Kaike voltou aos servidores profissionais pela TEAMMATE, equipe que estava na Liga Amadora da GA.

“Eu entrei em dezembro na equipe. O time na época contava com o ableJ, que hoje está comigo na FURIA. Jogamos a Liga Amadora e fomos campeões. Nós éramos um time muito bom e estávamos batendo umas equipes fortes nos treinos”.

Quando tudo parecia estar se encaixando em seu novo time, Kaike foi pego de surpresa com o convite de Jaime Pádua, CEO da FURIA, para entrar no time academy da organização.

“Na virada de dezembro para janeiro o Jaime me chamou para entrar na FURIA Academy. Eu tive que pensar muito, porque a organização na época não era tudo que é hoje, ela era uma promessa, além de ser o time B e não o principal. Era arriscado, eu estava com um time bom, então tive que fazer uma escolha”.

“No dia que eu contei que iria sair do time, estávamos conversando com um mind coach e ele estava dando aula de como melhorar nossa comunicação. Depois da aula eu pedi um minuto para falar com o pessoal e contei tudo. Eu nunca tinha feito isso na minha vida, sair de um time para ir para outro. Eu me senti muito mal e cheguei até a chorar. Os meus companheiros falaram que achavam que eu devia ir e eu agradeci a eles”, contou.

Após deixar a TEAMMATE, Kaike acabou ficando muito pouco tempo na FURIA Academy. Mostrando estar muito acima dos seus companheiros na Liga Principal, kscerato subiu para a FURIA em menos de duas semanas de time.

“Quando eu entrei na Academy eu já tinha mousepad, teclado, mouse e monitor. Só faltava eu por na prática o que eu sabia fazer. Nessa época o Jaime tinha um certo receio de eu ser cheater, as pessoas achavam que eu usava aim. Nos playoffs da Liga Principal, ele mandou eu ir jogar na Power Lounge para tirar a prova e pediu para o bob ficar de olho”.

kscerato e seu irmão com o mousepad que receberam como premiação (Foto: Arquivo Pessoal)

“Quando terminou o torneio, a gente se classificou para a Liga Pro. Fui ver minhas estatísticas e eu dominei todas as categorias. Eu fui o top 1 do campeonato”, contou o jogador.

“Ainda na Power Lounge, o bob mandou um áudio pro spacca falando pra ficar de olho em mim, que eu tinha futuro e que eu era muito bom”, completou.

Logo depois da conquista da Liga Principal pelo time academy, kscerato teria que fazer sua decisão mais difícil até então. No mesmo dia que recebeu a ligação de Jaime pedindo para que ele se juntasse a FURIA, Kaike também descobriu que havia sido aprovado na escola técnica de mecatrônica.

“Eu recebi as duas notícias no mesmo dia e tive que fazer a escolha mais importante da minha vida. Ou eu largava os estudos e ia para Uberlândia jogar pela FURIA, ou ficava em São Paulo e focava na mecatrônica”.

“Eu pedi conselho para todo mundo. Para o pessoal da ProGaming mais experiente, para o blv, ellllll e para o bob. Eu fiquei uma semana tirando todas as minhas dúvidas com o Jaime para ter certeza de tudo”.

Depois de pensar muito, Kaike fez sua decisão e escolheu seguir seu sonho de ser jogador profissional de Counter-Strike. Kscerato foi para Uberlândia morar na gaming house da FURIA, deixando a família e amigos em São Paulo e focando todos os seus esforços no CS.

Foi difícil para Kaike deixar para trás sua família, com quem era muito próximo e rumar para outro estado.

“No dia que eu dei o ok que queria entrar na FURIA, o Jaime e o guerri ligaram para mim. Eu botei no viva voz e estavam eu, meu irmão e meus pais na sala. Eles falaram que me queriam no time e minha mãe começou a chorar e nós ficamos emocionados, porque seria uma mudança de vida para mim”, afirmou kscerato.

“Tive que fazer toda aquela burocracia de sair do trabalho, trancar faculdade e tudo pendente em São Paulo antes de me mudar. Eu sentia muitas saudades, eu ligava para os meus pais todo dia dependendo da semana. A distância é algo muito complicado”.

Com pouquíssimo tempo de time, a decisão de se juntar a FURIA se mostrou a melhor possível e o quinteto formado por Yuri “yuurih” Santos, Andrei “arT” Piovezan, Vinicius “VINI” Figueiredo, Guilherme “spacca” Spacca e kscerato passou a dominar o Brasil.

Vencendo torneios como a primeira temporada da Aorus League, as Ligas Pro de maio e abril e a GG BET Ascenção, a FURIA foi a melhor equipe nacional durante todo o primeiro semestre de 2018.

“Essa foi uma época de realização do meu sonho. Eu nunca estive em um time tão profissional quanto a FURIA antes. A gente tinha rotina de tudo, trocávamos muita ideia sobre CS. Nosso quinteto encaixou e se conectou, quebramos muito a cabeça no início, mas fomos melhorando as coisas com o passar do tempo”, contou.

“Todo mundo queria a mesma coisa no time, todos abraçaram o projeto e deixamos para trás as coisas e pessoas que amamos para estarmos ali, buscando nosso sonho. Eu acho que foi isso que fez a gente ser o melhor time do Brasil na época”, completou o jogador.

A IDA PARA OS ESTADOS UNIDOS

Em menos de seis meses de time, a FURIA anunciou sua ida para os Estados Unidos em junho de 2018. A mudança de cenário foi algo gigantesco para a carreira de Kaike, afinal, jogar competitivamente fora do país significava que o nível de jogo e de competição aumentariam drasticamente.

Ir para os EUA, porém, traria uma despedida mais dolorosa ainda em relação a sua família. Deixar São Paulo para ir em direção à Minas foi uma experiência muito emocional para Kaike, mas sair do Brasil sem saber quando voltaria foi algo muito marcante.

“Foi muito rápido, coisa de cinco meses mais ou menos. Foi totalmente fora da curva e eu achava que isso aconteceria só em 2019. Nós estávamos em uma fase tão crescente que não tinha mais espaço para nós no Brasil”.

“A parte familiar foi tensa. Meus pais e meu irmão sempre me apoiaram e nunca tentaram me impedir. Lembro de uma vez que o FalleN falou para os meus pais que eu tinha futuro. Eu tinha treze anos e ele falou assim: ‘É melhor vocês aproveitarem porque seu filho vai embora logo, logo’. Eles meio que sabiam que esse dia ia chegar. Teve sim uma choradeira, mas eles foram muito fortes”, relembrou kscerato.

“Um dia antes de eu embarcar para os EUA, foi aniversário do meu irmão, dia 24 de junho. Ele tinha um PC muito ruim, então no dia eu dei um computador para ele de presente, de seis mil reais. Quando eu entreguei para ele, eu olhei nos olhos e disse exatamente assim: ‘Agora você não tem mais do que reclamar, você tem mouse, teclado, monitor e PC; agora só falta você treinar’”.

Com a ida para os Estado Unidos, também vieram os dois primeiros campeonatos internacionais que kscerato disputou, a Zotac NA, na Califórnia e o minor das Américas, em Londres.

“Quando a gente chegou em Los Angeles para a Zotac, eu juro para você, eu nunca tirei tanta foto na minha vida (risos). A organização do campeonato foi muito boa, foi tudo muito surreal. Outra coisa é que eu não sabia falar nada de inglês, meu primeiro contato com a língua foi nesse campeonato, então para mim foi muito difícil, um choque”, contou.

“Foi uma experiência muito boa, batemos em alguns times que eram favoritos. Foi legal porque ganhamos um certo respeito por parte da torcida. Jogamos muito esse campeonato e acredito que se tivéssemos ganhado eu teria levado o MVP. Foi muito bom sair do Brasil e mostrar para o pessoal que estava duvidando da gente que merecíamos estar ali”.

kscerato e sua equipe na Zotac NA (Foto: Chris Bahn)

Logo em sequência, a FURIA voou para Londres para jogar o campeonato mais importante do CS:GO, o minor das Américas, que daria duas vagas para o FACEIT Major: London 2018. Mesmo tendo um ótimo resultado na Zotac, a equipe brasileira não conseguiu se encontrar e acabou eliminada, terminando o torneio em último.

“Nós tivemos muitos problemas internos. Estávamos muito longe da família e todos sentiram a pressão de jogar um minor. Isso foi levando a gente a brigar à toa, pegando raiva por besteira, coisas mínimas. Era tudo muito novo e para mim foi uma questão de adaptação. Nós não estávamos preparados para o torneio mentalmente”.

MUDANÇAS NO ELENCO E INTERESSE DA MIBR

A FURIA voltou aos EUA e passou a treinar de forma intensiva contra equipes da América do Norte. Jogando diversos qualificatórios e a ESEA Advanced, terceira divisão da ESL Pro League, os resultados não estavam vindo e uma mudança foi feita.

Guilherme “spacca” Spacca, o membro mais antigo da line-up da FURIA, foi removido da equipe para dar espaço ao Rinaldo “ableJ” Moda, que estava no time academy.

“Quando me perguntaram, eu escolhi ele para ser o novo quinto. Eu indiquei o ableJ porque já tinha jogado com ele. Ele trouxe uma cabeça nova para o time, um estilo de jogo novo”, contou.

O tempo foi passando e após um período de adaptação do novo jogador, a FURIA passou a ter bons resultados nas ligas que participava e conseguiu a vaga para o minor das Américas da IEM Katowice 2019. Com a equipe brasileira indo cada vez melhor e com kscerato brilhando cada vez mais, seu jogo chamou a atenção de outro time brasileiro que passava por uma crise.

O MIBR decidiu reformular seu elenco e mirou em kscerato como principal alvo para ser seu novo quinto jogador. A negociação acabou dando errado, mas toda essa situação significou muito para Kaike.

“Essa época para mim foi de reconhecimento. Ao longo dos anos eu assisti a MIBR jogar e quando eu recebi esse convite eu vi que estava no caminho certo. Eu olhei para trás e vi que as escolhas que eu fiz impactaram no hoje e hoje a melhor equipe brasileira de CS do mundo queria que eu entrasse no time”, contou.

“Meus companheiros sempre me apoiaram, é impossível você não querer aceitar uma proposta da MIBR. O Jaime [CEO] e o Akkari [investidor] sempre me contavam o que estava acontecendo na negociação. Eu tenho muita confiança no Jaime e no pessoal da FURIA. Eu conheço eles muito bem e sei que são de bom coração, então pensei que se fosse para ser seria e se não fosse eu teria outra oportunidade no futuro”.

O MINOR DAS AMÉRICAS E O MAJOR

Com a transferência de kscerato não acontecendo e com a FURIA tendo o minor da Américas cada vez mais próximo, a equipe brasileira começou a treinar sem parar para alcançar seu principal objetivo na temporada.

Os jogadores da FURIA estavam tão focados em conseguir a vaga para a IEM Katowice 2019 que não voltaram ao Brasil para as festas de fim de ano como Natal e Ano Novo. Além dos treinos intensos nos EUA, a organização ainda fez um bootcamp na Europa visando aprimorar ainda mais seu jogo.

“A gente já estava se adaptando ao time, com o estilo de jogo dos Estados Unidos e foi muito bom conseguir essa vaga para o minor. Estávamos muito focados nisso. Todo mundo do time chorou, foi bastante gratificante”, contou ksc.

“Para mim foi muito ruim [passar o Natal e Ano Novo nos EUA], porque no mesmo mês que teve a negociação com a MIBR a gente decidiu que não ia voltar e consequentemente não ver a família. Foram dois impactos muito grandes e foi muito estressante mentalmente. Foram minhas primeiras festas de fim de ano longe da família”.

“Sobre o bootcamp na Europa, foi muito louco. O estilo de jogo da região é muito agressivo. Ficávamos treinando das 10h até 13h, depois fazíamos análises das nossas demos e víamos o que podíamos melhorar. Depois de almoçar treinávamos de novo até 21h. Isso ajudou bastante e foi uma experiência única. Estávamos bastante confiantes”, completou.

kscerato jogando o Minor das Américas pela FURIA (Foto: Adam Lakomy/ESL)

Outra coisa impactante para qualquer jogador de CS que veio com a entrada no major, foi ter seu nome eternizado em um adesivo. Para Kaike, foi algo que ele jamais irá esquecer.

“Quando caiu a ficha que teríamos um adesivo, eu lembrei de muitas pessoas que falavam besteira para mim. Eu fiquei muito feliz de poder calar a boca dessa gente, que disse que eu não ia chegar em lugar nenhum. Foi uma sensação sensacional, a de estar para sempre dentro do jogo”, relembrou.

Com a classificação para o major, a FURIA teria que jogar contra adversários muito mais fortes do que estava acostumada. Logo de cara, o sistema de seed não ajudou os brasileiros, que tiveram que enfrentar os suecos da Ninjas in Pyjamas na primeira rodada.

“Não tinha caído a ficha que iríamos pegar a NiP. Um dia antes de sair quem a gente ia pegar, eu comprei um mousepad dos caras (risos). Eu quero terminar minha carreira na Ninjas in Pyjamas, é uma organização que eu sempre amei”, revelou.

“Sobre o jogo em si, eu joguei muito tranquilo. A pressão era totalmente deles, não me senti pressionado em nenhum momento. Eu até brinquei dentro do servidor, estávamos jogando Mirage e fiquei falando que o f0rest estava no f0rest (risos). Foi uma experiência boa”.

No jogo seguinte, a FURIA enfrentou os cazaques da AVANGAR e em um jogo muito apertado, perderam por 16-14. Estando 0-2 na competição, os brasileiros encararam a Team Spirit e se recuperaram a vencer a série por 2 a 0.

Agora com um recorde de 1-2, a FURIA jogou contra a Cloud9 e perderam por 2 a 1, dando adeus ao major.

“Essa md3 eu quase não joguei (risos). No primeiro mapa eu nem vi os adversários e vencemos por 16-1. No segundo jogo de novo não vi boneco e perdermos por 16-1. Ai no decider eu apareci um pouco, mas sinceramente não sei explicar o que aconteceu nesse jogo”.

“Eu fiquei chateado de ter sido eliminado, mas também fiquei feliz de poder estar ali. É meu modo de se expressar, não gosto de pensar de maneira negativa, eu gosto de pensar que conseguimos chegar até ali. Muita gente queria estar onde a gente estava. Perder acontece, chegar ali que é o difícil”, completeou.

O RETORNO PARA OS EUA E O FUTURO DA FURIA

Após a excelente campanha no major, a FURIA retornou aos Estados Unidos com o objetivo de desenvolver ainda mais seu jogo. Com a ESEA MDL pela frente e com vários qualificatórios para torneios importantes batendo na porta, os brasileiros mostraram que não seria fácil vencê-los.

Em um curto período, a FURIA já mostrou que está em um nível mais elevado do que o esperado e venceu a 30ª temporada da ESEA MDL norte-americana – segunda divisão da ESL Pro League -, de forma invicta. Além disso, a FURIA também garantiu uma vaga na DreamHack Masters Dallas 2019, lan internacional que contará com grandes times como Liquid, ENCE e NiP.

“Foi muito uma coisa leva a outra sabe? Nosso desempenho no minor e no major mostrou para nós o que a gente pode ser. A gente acreditou que podemos ser bons e fomos lá e acabamos com os caras. Sem desmerecer ninguém claro, só estamos fazendo o nosso, dando nosso 100% para ganhar dos adversários”, contou.

kscerato durante o primeiro dia da DreamHack Open Rio (Foto: Alex Maxwsell/DreamHack)

Recentemente, kscerato finalmente teve a oportunidade de retornar ao Brasil para jogar um torneio em solo nacional. A FURIA foi convidada para participar da DreamHack Open Rio de Janeiro e a equipe terminou o torneio na segunda colocação.

“Sobre a DH Rio, foi uma das melhores experiencias na minha carreira. O fato de se sentir amado por todos ali presente e independente do resultado eles estarem torcendo por nós, mano, foi surreal. Me falta palavras pra descrever o quanto isso me emocionou, espero voltar a esse ambiente nacional novamente e com o troféu em mãos”, finalizou.

A história de Kaike Silva Cerato é uma história de superação. Nascido e criado em uma comunidade de São Paulo, kscerato teve que vencer diversos obstáculos para chegar onde chegou, mas sempre manteve a humildade e nunca tentou passar por cima de ninguém para alcançar seus objetivos. O menino que conheceu o CS na lan house Bola de Fogo há dez anos atrás hoje é um dos melhores em atividade no cenário mundial.

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Pedro Mitke
publicado em 25 de abril de 2019, editado há 5 anos

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